"É muito importante para o futebol feminino português receber a final da Champions"


O SJPF inaugura uma nova rubrica de entrevistas no futebol feminino, denominada “À Conversa com Carla Couto”. A primeira entrevistada é EDITE FERNANDES.

O Estádio do Restelo recebe na quinta-feira (22 maio) a final da Liga dos Campeões feminina (Tyresö-Wolfsburgo). Achas que é um evento importante para Portugal e para o futebol feminino português?

É muito positivo. Precisávamos de algo assim, em grande, para que as pessoas pudessem ver a importância que a UEFA dá a um jogo de futebol feminino. É importante para chamar a nossa sociedade, que ainda é um pouco retrógrada em relação ao futebol feminino.

Como nasceu o teu gosto para o futebol?
Não sei, acho que nasceu comigo. Quando era muito pequena, com cinco ou seis anos, lembro-me de gostar mais de bolas do que de bonecas. Acho que já tinha noção de gostar de jogar futebol. Nasci a gostar de futebol.

Como é que a tua família reagiu a este gosto pela modalidade?
No início, não reagiu bem, havia aquela coisa de que o futebol era só para os homens. Não houve grande apoio, mas como sou uma pessoa muito teimosa, lutei contra tudo e todos. Mas depois acabei por fazer aquilo de que gostava e a família tornou-se num suporte e num apoio muito grande.

Tiveste alguém que te incentivasse?
Comecei a jogar futebol federado aos 17 anos e foram uns tios meus que me levaram ao Boavista. Antes disso, jogava na rua e nos campeonatos inter-freguesias. Depois disso, o suporte foi maior porque perceberam que eu tinha talento.

Porquê o Boavista?
Na altura não havia equipas perto da zona onde morava. Em 1997, tentei e acabei por ter a felicidade de ficar no Boavista, que era uma potência no futebol feminino em Portugal, e nunca mais deixei de jogar futebol.

 


Conta-nos como foi essa progressão na carreira.
Estive dois anos no Boavista, em que fui campeã duas vezes. Por questões profissionais fui para Lisboa e assim nasceu a minha ligação ao 1º de Dezembro, onde estive sete épocas, intercalando com algumas estadias no estrangeiro. Estive na China, fiz uma pré-época no Arsenal, em Inglaterra, e em Espanha. Em 2007/2008 fui definitivamente para Espanha. Mais tarde acabei por ir para a Noruega e para os Estados Unidos da América.

Como é estar tantos anos longe da família?
O mais difícil são as saudades da família. Ficamos ansiosas que cheguem as férias, o Natal, a Páscoa... Isso é o mais difícil. Mas agora que regressei, há dois anos, tenho saudades de estar lá fora, daquela vida profissional, de ter hábitos de jogadora profissional.

Qual o momento que mais te marcou no estrangeiro?
Há muitos, mas elejo a final da Copa da Rainha (Espanha). Foi um momento único, num estádio mítico de Saragoça, com 15 mil pessoas a assistir. Eu era a capitã e podia ter sido eu a levantar aquela taça, mas não conseguimos vencer. Destaco ainda nos Estados Unidos, no meu primeiro mês, quando fui eleita uma das três melhores jogadoras do campeonato.

Tantas jogadoras têm o sonho de jogar nos Estados Unidos. Como é jogar lá?
Para começar, os EUA são a referência do futebol feminino. Apesar de ser um campeonato curto, tem muita competitividade e muitas jogadoras de seleção a jogar lá. É uma referência. Foi uma experiência única, vivi-a durante dois anos. Mas não foi a melhor experiência, até porque na China fui escolhida como Melhor Jogadora na final e venci a Superliga chinesa. Ainda não consegui encontrar uma experiência tão boa como a que vivi na China.

Qual foi o momento mais difícil da tua carreira?
O mais difícil foi ter tido uma grande lesão, da qual ainda recupero. De resto, em termos desportivos, não posso dizer que tenha tido algo de mau. O futebol é isto, perde-se e ganha-se, mas o pior foi mesmo a lesão.

Além do futebol, o que fazes?
Neste momento estou desempregada. Ainda continuo à procura de trabalho porque em Portugal não posso viver do futebol.

Como é que tem sido a experiência na Seleção ao longo dos anos?
Desde que entrei na Seleção, temos evoluído muito. O facto de as jogadoras terem ido para o estrangeiro melhorou muito a Seleção em termos de competitividade, o que nos permite jogar taco a taco contra outras equipas. Noto uma grande evolução no futebol feminino, as nossas jovens têm grande talento e podem vir a ser grandes jogadoras da Seleção Nacional. Talvez um dia mais tarde possamos ver Portugal numa fase final de um Europeu ou de um Mundial.

Como vês a criação destas novas seleções (sub-16, sub-17, sub-19)?
De uma maneira positiva, obviamente. Só assim é que o futebol feminino pode crescer em Portugal. Mas é preciso trabalhar, andar muito nos clubes e nas escolas a procurar talentos.

O que achas necessário para desenvolver mais o futebol feminino em Portugal?
Isto já é cliché e canso-me de dizer isto, mas faltam apoios. Os clubes devem investir mais e a comunicação social também deveria estar mais atenta. Falta promoção e crescimento. Nos últimos anos, as coisas melhoraram mas ainda há muito a fazer.

Como é ser mulher num desporto dominado por homens?
É difícil. Nós vivemos num país em que o futebol é focado nos homens, mas hoje em dia já se veem mulheres a dominar o mundo masculino com grande competência. Caminhamos para as mulheres tomarem conta disto [risos].

Quais são os teus ídolos no futebol?
A nível masculino, sempre tive o João Pinto como ídolo. Foi a minha referência quando ainda não conhecia ninguém no futebol feminino. Foi um exemplo. No futebol feminino, a referência és tu, Carla Couto, e a Carla Cristina. E posso destacar ainda a sueca Anna Ljunberg.

 


Qual é o teu maior objetivo enquanto futebolista?
Já ganhei campeonatos nacionais e taças, em Portugal e lá fora. Já estou como diz o Cristiano Ronaldo: nunca ganhei nada pela Seleção Nacional. O meu sonho seria alcançar uma fase final de um Europeu ou de Mundial.

Até quando teremos a Edite a jogar futebol?
Até quando as pernas deixarem [risos]. Não tenho uma idade definida, mas a ideia que tenho é que quando achar que devo acabar a carreira, deixo de jogar futebol. Acho que ainda posso dar muito ao futebol e contribuir muito. Mais dois aninhos ou três.

O teu futuro passa por Portugal ou pelo estrangeiro?
O futuro? Não sei. A Deus pertence. Não fecho as portas a jogar lá fora novamente, por isso continuarei a ponderar as coisas.

Como vês a ação do SJPF no Futebol Feminino?
A única coisa que tenho a dizer é que foi uma das primeiras – ou a primeira, quiçá – instituições a valorizar uma referência do futebol feminino e a apostar na modalidade. Depois há a questão dos prémios de Melhor Jogadora, que por si só é motivador para as futebolistas. É sinal que o Sindicato está preocupado com o futebol feminino. Só tenho a dizer muito de positivo sobre a aposta do SJPF e espero que continue a fazê-lo.

És uma mulher feliz?
Mais ou menos. Neste momento, não sou porque não faço o que mais gosto devido à lesão que tenho. Mas quando jogo futebol sou uma pessoa completa e realizada. Deem-me uma bola para jogar e sou a mulher mais feliz do mundo.

 


Tens alguma mensagem para as jogadoras?
Aquilo que queria dizer é que, há poucos dias, tive contacto com meninas de cinco e seis anos numa ação promocional do futebol feminino e sinto-me feliz porque as raparigas têm gosto em jogar futebol. Aquilo que digo às jovens que começaram ou querem começar, procurem um lugar onde possam fazê-lo e sigam os seus sonhos. As meninas que gostem de jogar futebol devem ir contra tudo e contra todos, se lhes disserem que o futebol é para os meninos.


Perfil
Nome: Edite Cristiana Fernandes
Data de Nascimento: 10/10/1979
Naturalidade: Vila do Conde
Clubes representados: Valadares Gaia, AC Milan (Portugal), Santa Clarita Blue Heat (EUA), FK Doon (Noruega), Beijing (China), Atlético de Madrid (Espanha), Saragoça (Espanha), Sporting Huelva (Espanha), FC Mérida (Espanha), 1º de Dezembro e Boavista.
Títulos: 9 Campeonatos Nacionais, 3 Taças de Portugal, 1 Super Liga da China
Internacionalizações: 114 (35 golos)