“O SJPF tem sido um pilar para o futebol feminino”


Tânia, média de 27 anos do Estoril-Praia, apresenta-se ao Sindicato e revela o seu percurso no futebol feminino, na rubrica "À Conversa com Carla Couto".

Quem é a Tânia?
Sou uma engenheira civil, que neste momento trabalha numa empresa familiar, com o pai, e que adora jogar à bola e representa a equipa feminina do Estoril-Praia. Divido o meu tempo entre a família, o trabalho e esta equipa.

Como surgiu o gosto pela modalidade?
Desde miúda, lembro-me de gostar de jogar à bola com o meu primo. Mas na altura não havia tanto futebol feminino, quando eu quis jogar à bola isso ainda era desporto de rapaz e os meus pais não me incentivaram muito. Acabei por partir para outros desportos, como o vólei, e só quando tinha perto de 16 anos é que me viram jogar com uns amigos e perguntaram-me se queria ir ara uma equipa de futsal em Tires. Joguei durante seis anos e depois entrei numa fase mais complexa na faculdade e parei de jogar futebol até terminar o curso. Entretanto, comecei a trabalhar e um dos meus melhores amigos, fisioterapeuta aqui no Estoril, desafiou-me a vir para cá jogar. Fui ao Facebook e vi que as jogadoras eram atléticas, e sendo o Estoril, achei que esta equipa já era forte e que eu já não teria potencial para pertencer ao grupo. Ele insistiu e eu acabei por ficar. E desde o ano passado que sou capitã de equipa.



Dizias que os teus pais nunca apreciaram muito que praticasses futebol…
Lembro-me que quando tinha 13 anos uma amiga minha foi para o 1º de Dezembro e convidou-me a fazer lá um treino. Eu consegui convencer os meus pais a ir fazer o treino mas eles não podiam levar-me e tive de apanhar uns três autocarros para chegar a Sintra. Quando voltei a casa, já era tarde e recordo-me de o meu pai me dizer que não queria que eu chegasse àquelas horas da noite a casa para treinar futebol. Só quando cresci é que me deixaram treinar, mas nunca foi uma coisa em que me tenha sentido muito apoiada.

Como consegues conciliar a tua profissão de engenheira com o futebol?
Dá perfeitamente para conciliar porque, apesar de ser engenheira civil, trabalho com o meu pai e consigo fazer os meus horários – ainda somos uma empresa pequena em crescimento. Se trabalhasse numa grande empresa, não me seria assim tão fácil porque os trabalhos em obra prolongam-se. Consigo gerir o meu tempo e, por isso, às terças, quintas, sextas e domingos consigo fazer as coisas de modo a estar mais disponível para treinar.

Qual é o peso que as jogadoras sentem por estar a representar o Estoril-Praia?
Para mim é um orgulho. Para já, porque sou do Estoril. E desde pequena que muitos dos meus amigos, com quem jogava à bola, estavam aqui. E era um sonho vestir esta camisola e andar com este símbolo ao peito. Quando tive essa oportunidade, fiquei mesmo muito contente. É o meu clube do coração. Jogo mesmo por amor à camisola.

Uma das coisas que tenho visto é que o Estoril tem visitado as escolas e tem sido integrado o futebol feminino como tema para divulgar nessas visitas. Como é que a ideia surgiu?
O Estoril-Praia sempre gostou da ideia de ter uma equipa feminina. A equipa surgiu de um grupo de jogadoras, que veio aqui falar com a direção. Eles aceitaram e deram as condições de que precisavam para começar. Entretanto, uma dessas raparigas, a Raquel Sampaio, começou a trabalhar aqui e ela teve um papel importante na divulgação do futebol feminino e da formação do futebol feminino. Com o novo presidente, Alexandre Faria, o esforço está a ser redobrado, também graças aos bons resultados da equipa masculina. O clube sente que tem de elevar o valor de todas as equipas ao mesmo nível.

O Estoril está a encaminhar-se para ser uma potência no futebol feminino?
Sim, eu acredito nisso. E é com muita alegria que o constato. Porque é o meu clube e é onde eu quero ver as miúdas que jogam comigo agora a evoluir e a chegar, pelo menos, à I Divisão.

Nesta tua carreira, ainda curta, conta-me um episódio que te tenha marcado.
O que me tem vindo a marcar ao longo destes três anos é, sobretudo, o grupo que aqui temos. Somos extremamente unidas e temos um grupo maravilhoso. Em termos de qualidade técnica não conseguimos alcançar alguns objetivos, como a subida, mas o grupo é realmente unido. Do ponto de vista negativo, lembro-me de um episódio que me marcou. No ano passado, na Taça Promoção, chegámos a ir às meias-finais. E na fase de grupos, no último jogo, que precisávamos de ganhar para chegar à meia-final e jogar contra uma equipa fora de Lisboa, o que era inédito para nós, fui expulsa com um vermelho direto completamente surreal [risos]. Sofri uma falta e disse uma asneira, e a senhora veio direita a mim, muito ofendida, e deu-me um vermelho. Tentei explicar-lhe que o palavrão nem tinha sido para ela, mas a árbitra estava muito nervosa e deu-me o vermelho. Não conseguia parar de chorar e ela no fim até veio conversar comigo a dizer que ia tentar que eu não levasse dois jogos de castigo.

Qual é o teu maior sonho enquanto atleta?
Eu já tenho 27 anos e tenho pena de não ter começado mais cedo. Se em três anos já evoluí tanto, imagino que se tivesse começado mais cedo talvez tivesse conseguido chegar a uma I Divisão ou à Seleção, mas é muito difícil. Também sou realista.

O que é necessário para desenvolver o futebol feminino em Portugal?
Mais apoio dos clubes como o Estoril tem vindo a fazer. É importante ter um campeonato mais competitivo. Por exemplo, acho que não é bom o que se passou com a Taça Promoção este ano: quem não está na competição, fica três meses sem jogar e isso faz que, quando se começa, não estamos todas ao mesmo nível. Além disso, também ainda há uma diferença grande da qualidade de arbitragem da primeira para a segunda divisão. O Sindicato está a fazer um bom trabalho. Temos de mudar a mentalidade de muitos pais porque às vezes ainda é um meio muito ligado ao sexo masculino.

Num clube com tantos homens, como é ser mulher aqui?
É super fácil. Acho que ainda é mais fácil do que se fôssemos rapazes. Eles ainda nos tratam melhor e criamos amigos, embora eles sejam muito mais novos. Eles são cavalheiros.

És feliz neste clube?
Muito, muito mesmo! [risos]

Alimentas o sonho de vir a ser jogadora profissional?
Eu costumo dizer às mais novas que, se eu não conseguir, vou fazer de tudo para que elas consigam. Mas sim, é um sonho.

O que dirias a uma menina que queira iniciar a sua carreira no futebol?
Diria que, se é esse o sonho dela e se jogar à bola é o que a deixa feliz, que não desista e que lute contra tudo e contra todos. Que procure a oportunidade e que trabalhe com seriedade. Se ela tiver possibilidade de jogar futebol profissional, vai ser muito mais feliz do que se estiver num escritório [risos].



Quais são os teus ídolos?
Vou ser sincera: não sou muito dessas coisas, de ter ídolos, até porque não tenho muito tempo para estar a par. Essa é outra coisa que devia mudar: os jogos femininos são sempre de tarde e não têm transmissão televisiva. Para quem trabalha, é difícil conseguir acompanhar. Mesmo assim, vi miúdas fantásticas na Seleção embora não tenha assim um ídolo no futebol feminino. No masculino, tenho de falar no Ronaldo porque é o melhor do Mundo. Também gosto do Moutinho e no Rui Costa, que jogam mais ou menos na minha posição.

Como vês a ação do SJPF em promover o futebol feminino?
Acho que tem feito um bom trabalho, tem sido um pilar para fundamentar o futebol feminino. É importante que haja igualdade de direitos, bem como de deveres. Tenho aconselhado as mais jovens a inscrever-se no Sindicato porque são elas que poderão ter a possibilidade de ter um futuro apoiadas no SJPF. É manter o caminho.

Nome: Tânia da Costa Torres Lopes
Local e data de nascimento: Cascais, 16-07-1986
Nacionalidade:  Portuguesa
Profissão:  Engenheira Civil
Clubes: Casa do Benfica de Tires (Futsal) e Estoril Praia (Futebol 11)