“Assumi a braçadeira de capitã com todo o gosto”


Capitã do Ponte Frielas em entrevista.

A defesa central Helena Resende, que representa o Ponte Frielas, admite que não esperava assumir a braçadeira de capitã mas ficou satisfeita com a nomeação. A jovem de 20 anos esteve “à conversa com Carla Couto” e elogiou a divulgação do futebol feminino por parte do SJPF.

Carla Couto (CC): Quem é a Helena Resende?
Helena Resende (HR): Tenho 20 anos, estou a fazer uma licenciatura em anatomia patológica na ESTeSL (Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa), jogo no Ponte Frielas, encontro-me há cinco anos no clube e comecei aqui com 14 anos. Fui recentemente nomeada capitã de equipa e não estava à espera.

CC: Ao assumires a braçadeira de capitã, o teu compromisso e responsabilidade para com o clube e a equipa cresceu?
HR: Sim. A questão da braçadeira surgiu numa fase em que perdemos grande parte da equipa. No balneário foi tomada uma decisão e chegámos ao consenso de escolher três capitãs. Com o decorrer da época as primeiras tiveram de sair. Uma por motivos de trabalho e outra por que decidiu rumar a outro clube. Tive de assumir e fi-lo com todo o gosto.

CC: A nível familiar, como é a relação com os teus pais e irmãos? Como é que eles vêem a jogadora, a desportista e como olham para o teu gosto pela prática desportiva?
HR: Eu comecei cedo. Com 14 anos não tinha formação nenhuma, com 13 procurava na Internet um clube onde pudesse jogar porque naquele tempo só se falava no 1.º Dezembro. Depois soube que existia o Ponte Frielas, que é perto da zona onde moro e o meu pai não achou piada nenhuma. Dizia-me que “o futebol é para rapazes, és Maria rapaz e vais vestir-te como eles, já viste o que as pessoas vão dizer?”. Mas fiz muita força e queria mesmo jogar futebol. A minha mãe deu a última palavra e o meu pai teve de ceder. Comecei a treinar e ele ia assistir aos treinos porque tinha de me trazer. Envolveu-se mais com a situação e percebeu o que era o futebol feminino. Agora até já faz parte do clube, é director desportivo e integra a estrutura do futebol feminino do Ponte Frielas. É caso para dizer que o papel inverteu-se: a minha mãe é quem se queixa mais por estar menos tempo em casa.

CC: Sentiste o apoio da tua família desde sempre ou houve uma fase em que foi difícil iniciares a prática da modalidade?
HR: O problema foi dar o passo de vir aos treinos. A partir do momento em que comecei a treinar e a jogar foi facílimo porque já estava inscrita, já tinha dado a última palavra e a minha família via que eu gostava disto. Para me trazerem aos treinos do clube ainda demorei alguns meses a convencer, mas consegui.

CC: Como conseguiste conciliar os estudos com o futebol?
HR: Quando vim para o clube estava a estudar ciências no 10.º ano. A condição dos meus pais era: ou mantinha as boas notas ou saía do futebol. Era o castigo, como se faz agora aos pequeninos. Sempre tive boas notas e conseguia gerir bem o tempo, em termos de trabalhos de grupo e tudo mais. Agora está mais difícil porque tenho uma licenciatura e estou mais tempo no clube, mas consigo conciliar tudo.

CC: Como surgiu o interesse pela licenciatura que estás a tirar?
HR: Quando cheguei ao 11.º ano percebi que tinha de tomar decisões quando chegasse ao 12.º ano. Ainda não tinha muito bem a noção das coisas mas aquilo que queria era algo relacionado com a biologia e o desporto. Não entrei à primeira por uma questão de um teste, mas nunca desisti de entrar em anatomia patológica porque a umas das áreas que mais gostava de trabalhar era medicina legal. Não entrando em medicina, que era o topo, mas com as médias que temos é um pouco difícil, decidi seguir os estudos em anatomia patológica, citológica e tanatológica. Patológica está relacionada com a descoberta do que provoca as doenças, citologia tem a ver com a celúla em si e tanatologia está relacionada com autópsias.

CC: O que gostarias mesmo de fazer?
HR: Tanatologia ou então patologia.

CC: Os colegas de faculdade apoiam-te? Vêem os teus jogos? Falam contigo sobre futebol?
HR: O meu percurso académico teve uns sobressaltos porque mudei de faculdade e só algumas pessoas sabiam que jogava à bola. Achavam piada, na altura ainda não tínhamos evoluído tanto como agora, porque julgo que o futebol feminino tem crescido muito nos últimos dois anos. Os meus amigos às vezes pedem para ver os jogos mas eu prefiro que não vejam por ter de justificar os meus erros se algo falhar.

CC: Sentiste muitas dificuldades quando iniciaste a carreira no futebol?
HR: Em termos de adaptação ao clube, quando cheguei cá a equipa estava formada e em termos de idade, era superior à minha. Só havia uma rapariga com a mesma idade que eu e foi naquela pessoa que me apoiei. Foi um pouco difícil mas se nós gostamos mesmo disto não há nada nem ninguém que vá impedir que continuemos. Felizmente consegui permanecer no clube porque houve jogadoras que vieram e saíram. A partir daí foi sempre a subir de nível em termos de qualidade de balneário, de pessoas e em termos de jogo também evoluí.

CC: Como tens visto as mudanças no futebol feminino, desde que chegaste ao Ponte Frielas?  Na tua opinião o que tem evoluído e o que pensas que poderia ser melhorado?
HR: Julgo que tem sido feito um esforço em termos de divulgação do futebol feminino. Ainda não é aquilo que esperava mas tem evoluído nesse sentido. O Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF) e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) têm divulgado a modalidade, através da criação de projectos, e o portal do futebol feminino tem dois anos e veio contribuir para esse crescimento. Relativamente às jogadoras e ao apoio dos clubes, tenho visto o Belenenses, o Estoril e o CAC a apostar no futebol feminino e penso que é uma boa projecção. Creio que a FPF poderia rever o modelo competitivo da Taça de Portugal, Taça de Promoção e do Campeonato Promoção. É inexplicável o que aconteceu com a Taça Promoção no ano passado. Realizaram-se as eliminatórias e nas últimas o Bobadela ganhou a um clube, foi apurado para a final e o outro jogo não se realizou. Nunca mais houve desenvolvimentos sobre o assunto, a FPF não emitiu um comunicado e com um apurado para a final o jogo não se realizou.

CC: No cômputo geral, julgas que o futebol feminino tem-se desenvolvido de uma forma satisfatória nos últimos cinco anos? No teu ponto de vista, o que falta para que esse desenvolvimento seja ainda maior?
HR: Talvez falte um pouco mais de apoio. A entrada dos clubes grandes também seria importante, dava outra imagem à competição. O facto de o Atlético Ouriense ter chegado à Liga dos Campeões foi um grande passo para Portugal e, em termos de selecções, se chegarmos um pouco mais longe vai ser bom em termos de divulgação.

CC: O que ambicionas enquanto jogadora? Qual é o teu objectivo principal?
HR: Os meus objectivos têm mudado de há cinco anos para cá. Quando comecei a prioridade era evoluir, continuar a jogar futebol e sentir-me bem. Com 20 anos tenho os pés bem assentes na terra, mantenho vivos alguns sonhos, mas neste momento quero assegurar um bom ambiente no balneário e chegar mais longe, o que ainda não conseguimos fazer. Julgo que temos qualidade suficiente para subir de divisão.

CC: E individualmente, quais são os sonhos da Helena?
HR: Evoluir e chegar ao Nacional Feminino e à Selecção. A Selecção Nacional é sempre o topo. Não penso ir para o estrangeiro mas representar Portugal, sem dúvida.

CC: Qual é o maior sonho da vossa equipa? Que espírito que vivem neste momento?
HR: Já passámos por muito, a época passada foi muito complicada e não perdemos nenhuma jogadora da temporada anterior. Éramos poucas mas não saiu ninguém e isso já não acontecia há muito tempo no Ponte Frielas. A esse grupo juntaram-se mais e melhores jogadoras e pessoas com carácter, que dão bom balneário. Para nós, o fundamental é continuar a evoluir como jogadoras e darmo-nos todas bem. Em termos de campeonato, o treinador diria que ficar nos cinco primeiros seria bom para nós, mas eu tenho outros objectivos e acredito que podemos lutar pelos primeiros lugares.

CC: O que gostarias de ver no futebol feminino?
HR: O meu FC Porto. Sei que tem a Dragon Force, mas gostava de ver o clube com uma equipa própria.

CC: Como tens visto o trabalho realizado pelo SJPF e o seu projecto para o futebol feminino?
HR: Em termos de divulgação, creio que o primeiro passo foi dado. Divulgar o futebol feminino, em termos de prémios, foi um passo importante. Sei que têm trabalhado muito pela modalidade e visitado os clubes. Tem havido troca de informação e isso é fundamental, porque quando comecei a jogar não havia ligação entre Federação, Associação, só passava pelo presidente e era difícil chegar às jogadoras. O SJPF vai ao balneário, fala e contacta com as jogadoras, tem visto o nosso lado e conseguimos apreender a informação que nos trazem.

CC: O que dirias a uma jogadora que quisesse começar a praticar futebol neste momento, com todas as adversidades que existem?
HR: Que tenham a certeza que é isto que querem e se assim for, independentemente do que ouvirem, do que acontecer e da qualidade, penso que é importante ter força interior e não desistir. Depois devem ter a noção que é complicado, porque somos amadoras, temos de fazer esforços e haverá alturas em que terão de decidir. Por vezes, é necessário escolher entre o trabalho ou a escola e o futebol e aí temos de ter maturidade para decidir o que é importante para nós. As jogadoras mais novas devem ter noção que ainda é muito difícil ter futuro através do futebol, mas aconselho-as a não desistirem porque o futebol é tudo.


Perfil
Nome: Helena Isabel Pimenta Resende
Local e Data de Nascimento: São Jorge de Arroios, 23 de Novembro de 1994
Profissão: Estudante
Clube: Ponte Frielas
Posição: Defesa central
Ano em que começou a jogar futebol: 2008