“Os clubes têm de apostar na sua formação”
De regresso a Portugal, após nove temporadas no estrangeiro, BRUNO AGUIAR considera que a aposta nos jovens será a salvação do futebol português. Em entrevista ao SJPF, o jogador de 33 anos recorda a sua carreira e fala das suas ambições.
Como nasceu o gosto pelo futebol?
Foi desde criança. Nasci no bairro do Grilo, em Camarate, e desde muito pequeno me habituei a jogar à bola e sempre tive o sonho de ser jogador de futebol.
Quem o convidou para iniciar a formação no Benfica?
Foi um presente de anos do meu pai. Quando fiz oito anos, inscreveu-me nas escolas do clube e comecei a competir de forma mais séria.
Como foi a experiência no clube da Luz?
Foi bonita porque quando se tem oportunidade de jogar no clube do coração é algo muito gratificante e temos um prazer a dobrar, porque fazemos o que gostamos na equipa de eleição.
A sua estreia com a camisola da equipa principal do Benfica em jogos oficiais foi numa pré-eliminatória da Liga dos Campeões [vitória por 1-0 sobre o Anderlecht, a 10 de Agosto de 2004]. O que sentiu nesse momento?
Foi um sentimento especial, porque jogar na Champions é o sonho de qualquer jogador, é a prova máxima do futebol e foi uma sensação muito boa.
Quais foram os aspectos mais positivos e negativos da passagem pelo Benfica?
Os momentos mais positivos foi a oportunidade de ter feito lá a formação e ter sido campeão nacional de seniores. O mais negativo foi a forma como saí do clube.
Porquê a decisão de abandonar o clube do coração?
Na altura tinha três anos e meio de contrato e há uma fase da vida em que temos de pensar que o futebol não dura para sempre e é necessário fazer opções. Naquele momento decidi sair do Benfica e de Portugal para organizar a minha vida em termos monetários.
Esteve nove anos no estrangeiro (quatro na Escócia e cinco no Chipre). Por que razão não regressou mais cedo a Portugal?
O futebol é uma carreira muito curta e temos de pensar que isto passa rápido. Por mim, jogaria sempre no Benfica mas temos de pensar em termos monetários e a verdade é que lá fora tive a oportunidade de fazer outro tipo de contratos que em Portugal não tinha a mínima hipótese.
Qual é a comparação que faz entre os três campeonatos em que jogou?
Todos são diferentes. Portugal é claramente o melhor, a Escócia um pouco à imagem de Inglaterra porque o ambiente é fantástico, o futebol não é o melhor mas a intensidade com que se joga lá é muito gratificante e dá muita motivação. O Chipre foi uma experiência boa, mas dos três foi o que gostei menos.
Tal como no Benfica, ajudou o Omonia a colocar um ponto final num longo jejum sem o título de campeão nacional. Qual foi a sensação de repetir um feito semelhante no estrangeiro?
Foi bom ter sido campeão no Chipre, porque o clube já não conquistava esse título há sete anos, já não ganhava taças há muito tempo e quando vamos para fora e conseguimos conquistar troféus nesse clube é gratificante, porque as pessoas dão-nos imenso valor e felizmente tive sucesso nos anos em que estive fora. Venci competições em todos os países onde joguei e isso é uma das maiores felicidades que tenho enquanto jogador de futebol.
Dos quatro títulos conquistados, qual foi o que teve mais significado?
Foi o do Benfica, claramente. Por toda a envolvência, por ser o clube que é, por não ter conquistado o título nos últimos 11 anos e por se tratar do maior clube de Portugal. Chegar a Lisboa às cinco da manhã e ter o Estádio da Luz cheio é algo que nunca irá sair da minha memória.
Como surgiu o convite do Oriental e porquê a decisão de regressar a Portugal?
Sou uma pessoa muito ligada a Portugal e a Lisboa. Adoro a cidade e como estive muitos anos fora sentia uma necessidade imensa de voltar. Quando tomei a opção de rescindir em Janeiro o contrato que tinha com o Omonia, decidi que era a altura certa para regressar a Portugal. Se dissesse que a minha primeira opção era o Oriental, estaria a mentia porque a minha prioridade era jogar na Primeira Liga mas não houve essa oportunidade. Estou muito feliz pelo convite que me foi feito por parte do treinador [João Barbosa].
Em algum momento chegou a pensar pôr fim à carreira nos meses em que esteve lesionado [entre Agosto e Novembro de 2014]?
Não porque apesar da minha idade, sinto-me bem. Aliás, antes da lesão estava a sentir-me muito bem e neste momento já estou recuperado. Enquanto me sentir com motivação para jogar irei fazê-lo, mesmo que tenha o azar de me lesionar porque as lesões são o pior do futebol. Mas temos de saber conviver com isso.
Em 2007 esteve um ano e meio parado e submeteu-se a três cirurgias. Como foi o processo de recuperação?
Foi uma fase difícil. Nesse período até se pensou que poderia não voltar a jogar futebol porque tive um tumor benigno no pé, que não se conseguiu descobrir logo no início da lesão. Devido a essa situação, fiz três cirurgias mas felizmente fui operado por um médico em Londres e depois desse mau momento fiz a melhor época da minha carreira. É caso para dizer que “há males que vêm por bem”.
Quais são as principais diferenças que nota no futebol português desde que emigrou?
Noto que os três clubes grandes [Benfica, FC Porto e Sporting] têm poucos jogadores portugueses. Lembro-me que, na altura em que fui campeão no Benfica, o onze era praticamente todo português e houve um jogo em que o onze era todo português. Mas temos de entender que hoje em dia o futebol é um negócio. Também é uma paixão, mas é principalmente um negócio e temos de ver o futebol dessa forma. Em termos de jogabilidade, não noto grande diferença.
Considera que os clubes grandes deveriam apostar mais nos jovens portugueses?
Penso que isso tem de ser a salvação do futebol português porque nós temos muita qualidade e temos de apostar nos nossos jogadores. Se os clubes estrangeiros vêm buscar, como foi recentemente o caso do André Gomes que se transferiu para o Valência, é necessário apostar na nossa formação. Portugal é muito rico na formação de jogadores e julgo que se todos os clubes investirem nos jovens ficam todos em igualdade e será benéfico para o futebol português e para a Selecção Nacional.
Qual é o sentimento por nunca ter jogado na Selecção AA?
Sinto que ficou a faltar alguma coisa, mas infelizmente nem toda a gente pode jogar na Selecção AA. Sabia que ao ir para o estrangeiro seria mais difícil, porque não fui para clubes de nomeada e de topo, mas felizmente percorri os escalões todos até à selecção B. Estou feliz pelo meu percurso nas selecções jovens.
Dos clubes que representou, qual foi o que o marcou mais?
O Benfica porque é o clube do coração e tive a sorte de ser campeão de juniores e de seniores e muito poucos jogadores têm isso no currículo. Dou muito valor a isso, porque o clube não era campeão de juniores e seniores há 11 anos e é são os títulos que fazem com que um jogador se sinta bem. Tive essa sorte e é motivo de orgulho para mim.
Quem é o seu ídolo no futebol?
Tenho jogadores que admiro, desde pequenino era o Rui Costa. Admirava a forma como jogava e a maneira de ser dele. É uma pessoa simples e tive o prazer de conviver com ele e com a sua família. É o meu ídolo de sempre.
Quais são os seus pontos fortes e fracos?
Não sou a pessoa mais indicada para o dizer, mas talvez a leitura de jogo seja o meu ponto forte. Gosto de fazer a equipa jogar. Os meus pontos fracos talvez sejam as lesões, mas penso que tive um pouco de azar porque sempre fui um jogador que se cuidou bem, sempre e tenho a consciência tranquila. Mas o facto de ter tido algumas lesões faz com que perca alguma intensidade de jogo e esse talvez seja o meu ponto fraco em termos físicos.
Qual foi o melhor golo que marcou?
Foi no Hearts vs Celtic [jogo da 32.ª jornada da Liga Escocesa 2008/09, que terminou empatado a uma bola]. Estávamos a perder por 1-0 e fiz um golo de livre directo, que empatou o jogo.
Alguma vez foi vítima de salários em atraso?
Sim, no Chipre. Falei com o SJPF mas não foi preciso intervir. Em Janeiro do ano passado rescindi contrato com o Omonia, fiz um acordo e o clube tem cumprido.
Qual é avaliação que faz do trabalho do SJPF?
Estive muitos anos fora e porque estive no estrangeiro, sei de colegas meus que estiveram vários meses sem receber. Penso que é um trabalho importante para o jogador. É um apoio e julgo que é fundamental porque quando o futebolista está no estrangeiro, tem de ter o apoio de alguém e sabendo que o Sindicato está cá é uma mais-valia poder contar com essa ajuda.
Tem alguma superstição?
Quando jogo bem, tento fazer na semana seguinte o que fiz na anterior para voltar a sentir-me bem, mas de resto não ligo a superstições.
O que faz nos tempos livres?
Gosto de estar em casa, navegar na Internet, ver filmes, brincar com o meu filho. Neste momento o meu principal hobby é brincar com o meu filho, porque está numa idade engraçada e gosto de jogar à bola com ele. Tento compensar os anos que estive fora para fazer algumas coisas de que tinha saudades, como ir ao cinema, comer fora porque a comida cá é muito melhor do que no estrangeiro, não tem nada a ver e isso é um privilégio que nós temos.
Se não tivesse sido jogador, o que teria sido?
Nunca imaginei essa situação porque desde pequenino tinha o sonho de ser jogador de futebol.
Gostava de ser treinador?
Até há pouco tempo não me passava pela cabeça, mas agora está a começar a nascer um bichinho. Ainda não me debrucei bem sobre isso porque tenho muita motivação para jogar futebol e enquanto isso acontecer vou pensar exclusivamente nisso. Talvez lá para o final da época, dependendo de como vai correr a temporada, equacione essa possibilidade mas por enquanto não. Se as lesões não aparecerem e se a motivação continuar como até agora, espero continuar mais épocas no futebol português. Estou muito feliz pelo convite do Oriental e pela opção que tomei, joguei muitos anos no estrangeiro e em grandes clubes ao mais alto nível. O Oriental é um clube que me trata muito bem, tem um plantel de gente boa e para mim o mais importante é estar feliz neste momento.
Perfil
Nome: Bruno João Morais Aguiar
Data de Nascimento: 24.02.1981
Naturalidade: Lisboa
Posição: Médio
Clubes: Benfica, Gil Vicente, Alverca, Hearts, Omonia e Oriental.