"É duro perder os nossos sonhos"


Hugo Vieira voltou aos relvados depois de ver a sua esposa partir no início do ano. Edina Carvalho faleceu a 24 de Janeiro, vítima de doença prolongada. Em entrevista ao SJPF, o jogador abre o coração e comenta o que está a viver.

Como foi entrar em campo frente ao Amkar, o seu primeiro jogo depois da triste notícia?
Foi o primeiro jogo oficial. Foi mais um jogo e foi difícil. Treino e jogo sempre a pen­sar nela.

Voltar a jogar futebol ajudou-o a ultrapassar esta situação?
Nunca irei ultrapassar isto. Ajuda-me a vencer naquilo que ela queria que eu ven­cesse. Um dos maiores sonhos da Edina era que eu vingasse no futebol e é isso que irei fazer.

A liga russa parou em Janeiro. Foi mais difícil estar sem jogar?
Eu e a Edina ainda estivemos juntos na paragem do campeonato. Fui para a Rússia no dia 12 de Janeiro para iniciar os trabalhos de regresso à competição e ela fale­ceu no dia 24. Nós falávamos todos os dias e no dia em que recebi a notícia fui logo para Portugal e foi aí que a minha vida terminou.

Tem recebido muito apoio por parte dos seus amigos?
Sim. São situações muito delicadas, mas tenho amigos que me dão muito apoio e que me vão visitar à Rússia. Isso ajuda muito porque não é fácil passar por isto. Muito mais difícil é estar longe das pessoas que amo num país como a Rússia, que é frio. Um dos objectivos que tinha era viver lá com a Edina. Neste momento só tenho como meta concretizar todos os sonhos que ela tinha e é isso que vou fazer, custe o que custar.

Tem sido apoiado pelas pessoas do futebol?
Sim, nomeadamente pelo Custódio [médio português que actua no Akhisar, da Turquia] e pelo Fábio Pimenta [do Amarante], que são os meus maiores pilares. Sem esquecer o meu empresário, Carlos Gonçalves, que também me tem ajudado.

Os adeptos do Torpedo têm sido solidários?
Muito. Nunca irei arranjar palavras para agradecer aos adeptos. Felizmente sempre fui muito acarinhado, tanto no Torpedo como no Gijón, no Gil Vicente e mesmo no Benfica. Foram adeptos que me marcaram muito e esta situação sensibilizou muita gente. Fico muito feliz por ver tanta gente boa.



Sentiu-se apoiado pelas instituições portugue­sas e russas de futebol?
Sim, muito acarinhado. Recebi muitas cartas e mensagens no Fa­cebook, ligaram da embaixada russa a dar os pêsames e nunca conseguirei agradecer tudo o que fizeram por mim.

O apoio que recebeu foi suficiente?
Recebi muito apoio, foram fantásticos comigo mas nunca é sufi­ciente porque a verdadeira pessoa que eu queria que me desse apoio não está mais aqui.

O Sindicato dos Jogadores está a lançar um pro­grama de saúde mental. Como vê esta iniciativa?
Vejo com bons olhos. É fantástico, porque só quem passa por isto dá o real valor. Por muito que uma pessoa saiba e veja que a outra está a sofrer, nunca conseguirá compreender totalmente. O facto de o Sindicato apoiar jogadores como o Daniel e o Fábio Faria é muito bom.

Como tem sido a sua vida desde o falecimento da sua esposa?
É uma pergunta muito difícil [lágrimas]. Éramos casados e quem acompanhou a nossa história sabia que eu vivia por ela e para ela e vice-versa. Penso que não existem muitos relacionamentos as­sim. A Edina era um ser humano fantástico, não havia como não gostar dela. Transformou o Hugo rebelde numa boa pessoa. Não é fácil lidar com uma perda, é duro perder uma pessoa que ama­mos, mas mais duro que isso é perder a nossa vida, os nossos sonhos, tudo o que planeei até hoje. Tudo o que sonhava era ao lado dela e isso não existe mais. Não tenho mais sonhos.

Pelas suas palavras, percebe-se que a Edina con­tinua muito presente no seu pensamento.
Não estou conformado com o que aconteceu. Nunca irei aceitar isto e quem me conhece sabe a minha personalidade. Quando digo nunca é mesmo nunca. Ela está e estará sempre presente, amo-a e vou continuar a amá-la para sempre.

Dada a gravidade da situação, procurou apoio psi­cológico?
Não. Já me aconselharam a procurar um psicólogo ou psiquiatra, mas não vou e não quero porque sempre fui pela minha cabeça. Talvez por isso tive de arrancar a ferros tudo o que conquistei na minha carreira e tenho a certeza de que continuará a ser assim porque nunca me deram nada, nem darão.



Que mensagem transmite às pessoas que passam por uma situação semelhante?
Não é fácil. Aquilo que posso dizer às pessoas que passam por isto é tentarem fazer tudo o que a pessoa amada que partiu que­ria, porque é a única forma de ela ficar feliz e em paz.

Ao olhar para trás, sente que ter deixado o Gijón para estar perto da sua esposa foi das melhores decisões que tomou na vida?
Quem nos conhecia, costumava dizer que nem nos contos de fadas é assim. Não há palavras para descrever a nossa relação porque vivíamos um para o outro e, no momento em que desco­brimos o que ela tinha, nem queria jogar mais. Mas a Edina dizia-me para jogar e encontrámos uma solução. Não é fácil ir treinar e jogar com a pessoa que amamos a sofrer numa cama, a passar por tratamentos difíceis. Dormia no IPO e ia treinar de manhã. Fiz muitas dedicatórias à Edina e valia a pena por isso, fazia tudo por ela e para lhe arrancar um sorriso. Esse era o meu objectivo dia­riamente e penso que o consegui até aos últimos dias.

Na sua mais recente passagem pelo Gil Vicente, foi multado por despir a camisola no festejo de um golo para mostrar uma t-shirt com a foto da Edi­na. Qual é a sua opinião sobre essa regra?
Sinceramente, acho que é uma vergonha. Uma coisa é ser mul­tado por mostrar uma publicidade, outra é ser multado por dar apoio à pessoa mais importante da minha vida. Penso que não é correcto, mas as pessoas que me multaram são da mesma opi­nião porque depois expus a situação, mostrei exames e a multa foi retirada.

Sente que está a atravessar o melhor momento no Torpedo de Moscovo?
Pode-se dizer que sim. Tenho jogado muito bem, conseguimos pontuar contra uma grande equipa da Rússia neste momento [Zenit] e tenho jogado sempre os 90 minutos.

Quais são os seus objectivos para esta época?
A manutenção e jogar como tenha jogado.

Quais são as diferenças entre o campeonato por­tuguês e o russo?
Na Rússia há mais dinheiro. Contratam bons jogadores, o cam­peonato tem muita qualidade e fisicamente é muito forte. Penso que essas são as principais diferenças.



É conhecido pelo apelido Vieira, que não consta no seu nome, por homenagem ao seu avô. Foi uma pessoa muito importante na sua vida?
Sim. O meu avô partiu numa altura em que eu era muito menino, não sabia o que era a vida, e foi uma pessoa muito importante para mim. Tenho uma relação muito forte com a minha avó e com os meus pais. A minha avó criou-me durante alguns anos porque os meus pais tinham de trabalhar para me dar uma vida “boa”. Os meus avós, os meus pais e as minhas irmãs são as pes­soas mais importantes na minha vida.

Existe alguma rivalidade saudável com Nélson Oliveira por serem ambos oriundos da formação do Santa Maria?
Não. O Nélson é um excelente jogador, um bom amigo e não exis­te qualquer tipo de rivalidade.

Esteve a um passo de assinar pelo Sporting, mas escolheu o Benfica. Arrepende-se dessa decisão?
Nunca me arrependo daquilo que faço. Se fosse hoje faria exac­tamente da mesma maneira. Claro que o Sporting era uma boa opção, mas escolhi o Benfica e já passou. Foi como tinha de ser. Infelizmente tive alguns problemas pessoais e isso atrapalhou um pouco. Abdiquei da minha vida pela pessoa que mais amei e continuo a amar.

O seu assumido amor pelo Benfica saiu beliscado por não ter tido uma oportunidade na equipa?
Não escondo que sempre fui do Benfica. Mas sou profissional e um bom profissional não tem clube. E considero-me um bom profissional. O meu clube é a camisola que vestir. Tenho amor pelo que faço e quero sempre o melhor para a minha equipa.

Saltou do futebol distrital para o Benfica em apenas três anos. Alguma vez parou para pensar se estaria a sonhar?
Não. Sei muito bem do que sou capaz e talvez ande muita gente nos Regionais por engano e muita gente no futebol de alta-roda também por engano ou então por interesse e por empresários.



O que recorda da sua passagem pelo Bordéus?
Nada de especial. Tinha 17 anos, era um menino. Pedi para sair do clube porque não conseguia estar mais longe da minha famí­lia. Não queria estar lá e do que me recordo sei que tive uma en­torse e pedi para sair porque queria ficar perto da minha família.

Pensa regressar a Portugal em breve?
Não.

Mantém o sonho de chegar à Selecção?
Sinceramente, não. Claro que adorava representar o meu país, mas mais importante que isso é a minha carreira e já não tenho mais sonhos. Tenho alguns objectivos, mas os sonhos acabaram.

Hulk foi alvo de insultos racistas no jogo entre a sua equipa e o Zenit. Na sua opinião, o que deve ser feito para acabar com estes comportamentos?
Penso que isso não vai acabar. É uma situação que acontece em todo o lado e vai continuar a acontecer. É impossível comandar a cabeça das outras pessoas.

Qual é a sua opinião sobre o trabalho desenvolvi­do pelo Sindicato dos Jogadores?
Penso que trabalha muito bem. O Sindicato ajuda muitos jogado­res. Nunca precisei de recorrer aos serviços do SJPF, mas tenho amigos que passam por situações complicadas e que precisam de dinheiro. Alguns jogadores da Segunda Liga têm muitas dificulda­des e julgo que o Sindicato é fundamental para o futebol.

Perfil
Nome: Hugo Filipe da Costa Oliveira “Vieira”
Data de nascimento: 25 de Julho de 1988
Posição: Avançado
Clubes: Santa Maria (2005 a 2009), Bordéus (2007), Estoril (2008), Gil Vicente (2009 a 2014), Sp. Gijón (2012), Sp. Braga (2013) e Torpedo de Moscovo (2014 até ao presente).