“Os que querem impor-se como líderes nunca o são”


Capitão do Atlético em entrevista ao SJPF.

Aos 38 anos, Silas voltou ao Atlético para ajudar um plantel jovem com a sua experiência. Até porque tem mais anos de carreira do que alguns colegas têm de vida…

Como foi regressar ao Atlético?
Foi bom. Esta é a minha 20ª temporada como profissional e achei engraçado acabar onde comecei. E também achei que es­tava em condições de poder ajudar o Atlético.

Encontrou o clube muito diferente?
Em termos de infraestruturas está parecido, mas agora é uma SAD. E está de relações cortadas com o clube, o que torna as coisas mais difíceis para nós. Temos sido al­gumas vezes prejudicados pelas arbitragens e sentimos que estamos sós.

Mereceu a braçadeira de capitão. Como foi eleito para o cargo?
Do ano passado só tinham ficado dois ou três jogadores, que tinham chegado na época passada, o plantel era novo. A minha experiência, já ter sido capitão noutros clubes, e o facto do treinador Rui Nascimento já me conhecer, motivaram a escolha. Se tivesse continuado um capitão do ano passado seria ele. Apesar de ter nove anos de casa, não fazia sentido chegar e tirar a braçadeira a um capitão.

Tinha sido capitão de que equipas?
Comecei a ser capitão no Ceuta, depois fui no Belenenses, no Lei­ria, no AEL...

Sente que impõe uma liderança natural no balneário?
É normal que olhem para mim como uma referência, tenho mais anos de carreira do que alguns dos meus colegas têm de vida. Não sou muito extrovertido, mas dou a minha opinião quando acho que devo dar. Os que querem impor-se como líderes nunca o são.

Sendo capitão e um jogador tão experiente, que valores transmite aos mais jovens?
Quando subi a sénior mal falava no balneário, tinha jogadores com um carácter muito forte e aprendia muito com eles. Hoje ouvem pouco, pensam que já sabem tudo. O que lhes tento transmitir é que devemos ser sempre humildes. Também aprendo com colegas de 19 ou 20 anos. Quando era miúdo os meus pais não tinham dinheiro para me sustentar, precisava mesmo disto. Hoje há muitos jogadores que não pre­cisam, o nível de exigência é mais baixo.



O que é que se pode fazer para aumen­tar essa exigência?
Os clubes apostavam mais na forma­ção. Hoje não nos identificamos tanto com os clu­bes por isso. Dou mais importância aos resultados do que alguns colegas de fora. Há uns que pensam “este ano corre mal, mas depois vou para outro lado”. Fui para Espanha com 21 anos e se tivesse um dia menos bom era massacrado pela crítica. Isso ajudou-me a crescer. E o nível também bai­xou por não se apostar no produto. Um clube que aposte no produto a sério, que dê estabilidade aos treinadores, vai ter melhores resultados a longo prazo.

Os árbitros costumam ser mais tolerantes com os protestos dos capitães?
Procuro respeitar os árbitros. Houve uma ou outra vez que passei dos limites e também não me per­doaram. Há árbitros que não se dão ao respeito e tratam mal os jogadores, insultam-nos. Às vezes até oiço os árbitros tratarem-se mal entre eles. Já tive árbitros que me insultaram e, se calhar, quan­do tinha 20 anos calava-me. Agora insulto-os. Há árbitros que por terem o apito na boca pensam que podem fazer tudo e também não é assim.

Às vezes parece que a braçadeira dá imuni­dade na altura de falar com o árbitro.
Nada disso. O apito é que dá imunidade e muitos deles até tratam mal os jogadores. É um tema do qual pouco se fala, mas é verdade.

Alguma vez foi expulso por palavras?
Uma vez. Foi este ano com o Pedro Proença.

Também o trata por querido, como se viu na­quela reportagem da SIC?
A mim não. Era um bom árbitro, mas às vezes pensava que era imune por ter o apito. Mas foi a única vez que me expulsou. Tam­bém há árbitros com os quais se pode falar e percebem que é no calor do jogo que dizemos coisas que não devíamos. Mas, no geral, a arbitragem está muito melhor do que quando comecei.

Agora há muitos jogos na TV, se calhar os jogadores também se resguardam mais...
Mesmo nos Distritais os jogadores complicam menos. Há uma for­mação diferente. Antigamente os jogadores preocupavam-se mui­to em bater, inclusivamente nos árbitros, tudo menos jogar à bola. E os árbitros também são melhores, cometem menos erros.



Jogou em Espanha, Inglaterra e Chipre. Que hábitos ganhou dessas culturas?
Ganhei a sesta de Espanha. E em Inglaterra aprendi a respei­tar os treinadores. Vejo jogadores saírem aos 75 minutos e vão chateados, até dão pontapés em garrafas. Não se lembram que quem os vai substituir só joga 15 minutos, que no banco há qua­tro ou cinco que não vão jogar e que há uns que ficaram na bancada. Temos de respeitar o treina­dor, os nossos colegas e as instituições.

Chegou à Selecção, quando jogava no Lei­ria. O que recorda dessa experiência?
É qualquer coisa do outro mundo. Aquilo de que mais me lembro é do Figo. A nível técnico foi o melhor jogador português de sempre. Lembro-me de estarmos num meinho, de oito contra dois, e ele não perdia uma bola! Sinto-me um felizardo por ter feito parte desse lote e não sei se houve outro jogador a estrear-se na Selecção a jogar pelo Leiria. Senti-me orgulhoso.

O seu treinador nesse ano foi Manuel Ca­juda. Foi quem mais o marcou?
Todos me marcaram, mas o que mais me mar­cou foi o Jorge Jesus. Trabalhar dois anos com um treinador tão exigente e tão bom serviu para aprender muito. Trabalhei quatro meses com Mourinho. Também me marcou, foi o treinador que me deu uma oportunidade na I Liga.

O que sentiu com o desaparecimento do Lei­ria dos escalões profissionais?
Tive pena. Era um clube que pagava bem e certo. Mas pode acontecer com outros clubes, principal­mente com as SAD’s, porque muitas vezes não sa­bemos de onde vem o dinheiro. Devia haver mais regulamentação sobre isso. E mais responsabili­dade. Não se pode deixar de pagar aos jogadores para descer aos Distritais e começar de novo.

Como tem visto a actuação do SJPF?
Desde que o Joaquim Evangelista assumiu a presidência que tem tido um papel importante, inclusive nesta altura de crise, onde há maior incumprimento salarial. O Sindicato tem sido ir­repreensível.

Aos 38 anos precisa de ter outros cuidados físicos?
Não. Como tudo, ainda hoje comi uma feijoada! Mas não bebo, não fumo, as sestas ajudam muito. Treino bem, alimento-me e hidrato-me bem, tenho um plano de alongamentos que sigo há dez anos. Tudo isto me ajuda.

O brasileiro Silas era o seu ídolo de infância ou puse­ram-lhe a alcunha?
Puseram-me a alcunha, mas também gostava dele. Jogava nos infantis do Sporting e acho que foi naquelas brincadeiras dos miúdos em que cada um escolhe um jogador e eu dizia que era o Silas. Depois apareceu o Figo e foi o meu grande ídolo. E tive o privilégio de jogar com ele. Não me desiludiu em nada, muito pelo contrário.

Perfil

Nome: Jorge Manuel Rebelo Fernandes “Silas”
Data de nascimento: 1 de Setembro de 1976
Posição: Médio
Clubes que representou: Atlético (1995 a 1998 e 2014 até ao presente), Ceuta (1998/1999 e 2000/2001), Elche (1999/2000), União de Leiria (2001 a 2003 e 2009 a 2011), Wolverhampton (2003/2004), Marítimo (2004/2005), Belenenses (2005 a 2009), AEL Limassol (2010 a 2012), AEP (2012), Ethnikos Achnas (2013/2014).