“Sempre fui destro e também por isso os enganava”
Fernando Chalana e um dos maiores segredos do futebol português. Actualmente com 56 anos, é uma figura incontestada da história da modalidade em Portugal.
Em entrevista ao SJPF, o ex-jogador revela um dos maiores segredos do futebol português e revive os melhores momentos da sua carreira.
Nasceu para o futebol nas ruas do Barreiro, onde tinha um objecto que não deixava nem por nada.
Tinha uma bola que sempre protegia e que não largava. Andava na Escola Alfredo da Silva, chegava ao final da tarde a casa e de seguida ia para o Dom Manuel de Melo, onde treinava. A bola andava sempre comigo ao longo do dia. É curioso que fui levado para o Barreirense por um amigo. Quando lá cheguei pensei que ia treinar com os outros da minha idade, mas comecei logo a treinar com os seniores. Aos 14 anos treinava e jogava (nos particulares) junto a jogadores muito mais velhos.
Mário Coluna, olheiro do Benfica, convenceu o então treinador principal, o jugoslavo Milorad Pavic, a assistir a um jogo entre o Barreirense e o Oriental, onde despontava, com apenas 14 anos e a jogar pelos seniores, Fernando Chalana. Noventa minutos bastaram e no final, Pavic deu o aval à sua contratação imediata.
Ganhámos esse jogo, mas já não me recordo de muita coisa. Sabia que Pavic estava na bancada por sugestão de Mário Coluna, que me tinha visto jogar várias vezes. Foi tudo muito rápido, porque Juca, que ao tempo treinava o Barreirense, já dera informações minhas ao Sporting. Mas o Benfica antecipou-se. Foram a casa dos meus pais, numa reunião onde também estiveram dirigentes do Barreirense e a transferência fez-se.
Estreou-se na equipa principal do Benfica a 6 de Março de 1976, sendo na altura, o mais jovem de sempre a actuar na 1.ª Divisão, com 17 anos e 25 dias. Apenas uns meses depois, antes mesmo de atingir a maioridade, estreou-se pela selecção portuguesa a 17 de Novembro de 1976, no Estádio da Luz, frente à Dinamarca (vitória por 1-0). Foi um ano mágico, com apenas 17 anos, Chalana foi, simultaneamente, campeão nacional de juniores e de seniores, tendo ainda jogado pelas selecções de juniores, sub-21 e “AA”. Nesse tempo, não esquece a influência que o treinador inglês John Mortimore teve na sua forma de jogar.
Eu jogava para a frente e não para trás, ou para o lado. Quando a bola vinha ter comigo eu ia direito ao defesa e na direcção da baliza contrária. Isso foi Mortimore que me incutiu nos treinos. Só via a baliza.
Chalana recorda ainda o carinho de Mário Wilson e os métodos diferentes de Sven-Goran Eriksson.
Da primeira vez que ele veio, aquilo foi muito bom, foi uma autêntica revolução. Ele trouxe outras ideias, tendo ajudado de forma decisiva no desenvolvimento de muitos futebolistas, bem como na transformação da mentalidade do jogador português, inclusive de equipas adversárias.
No Benfica, aprendeu o que era a famosa mística, que agora pretende transmitir aos mais novos.
No meu tempo de jogador era “proibido” sair de casa quando não ganhávamos. Mesmo um empate era considerado uma derrota. Isso é que é a mística que os mais velhos têm a responsabilidade de passar aos mais novos. Naquele tempo, os jogadores do Benfica sentiam vergonha quando não ganhavam.
No total, Fernando Chalana esteve 12 épocas ao serviço do Benfica (entre 1975/76 e 1983/84 e, mais tarde, entre 1987/88 e 1989/90). A forma como driblava, corria verticalmente, bailava à frente dos adversários e tratava a bola, fez com que um jornalista desportivo de referência decidisse defini-lo como o “pequeno genial”.
Isso foi um jornalista chamado José Neves de Sousa que teve a amabilidade de me chamar assim. Ele pôs esse nome na primeira página de um jornal e ficou para sempre.
1984 foi o ano do Europeu de França e da sua afirmação no panorama internacional. A selecção portuguesa foi a grande surpresa, muito por culpa da acção de Chalana. As suas exibições entusiasmaram de tal forma, que rumou ao Bordéus, contratado pelo então e excêntrico presidente do clube francês, Claude Bez.
No Europeu fiz algumas das melhores exibições da minha carreira. Essas e mais umas quantas pelo Benfica. Mas foi sem dúvida o Europeu que me deu notoriedade. Foi um salto muito grande, do Benfica para o Bordéus, porque nesse tempo não havia muitos jogadores portugueses a emigrarem, mas eu com 25 anos, já era um homem. Tive algumas lesões, mas fui campeão francês, ao lado de grandes jogadores como Giresse e Tigana. Em França as pessoas sempre me trataram bem, mas passado algum tempo só pensava em regressar ao Benfica, o que veio a acontecer.
Do Barreiro a Lisboa, de Lisboa a Bordéus, de Pequeno Genial a Chalanix, mas sempre Fernando Chalana
Ainda em França, devido às suas parecenças físicas, associaram-no à personagem de banda desenhada Asterix, sendo algumas vezes apelidado de “Chalanix”.
Isso foram os franceses, um ou outro jornalista de Bordéus, que me chamou assim. Pelas parecenças com o Asterix, talvez devido ao bigode.
O que Chalana não esquece é que foi o dinheiro da transferência do Benfica para o Bordéus, uma pequena fortuna para a época, que permitiu que o clube concluísse o fecho do então terceiro anel, do antigo Estádio da Luz.
Lembro-me bem disso, foi fechar com chave de ouro a minha primeira passagem pelo Benfica, colaborando indirectamente na conclusão de uma obra que todos os adeptos sonhavam. O então presidente Fernando Martins nunca esqueceu esse facto.
Terminou a carreira de futebolista no Estrela da Amadora na época de 1991/92, na altura a militar na II divisão nacional, já depois de uma também breve passagem pelo Belenenses, que se seguiu ao final de contrato com o Benfica em Junho de 1990. Aos 33 anos, encerrou a sua carreira de futebolista, após 16 anos e várias lesões sofridas. Dos anos de futebolista, Fernando Chalana recorda uma das maiores mentiras do futebol português.
As pessoas pensam que sou canhoto, mas sou destro. As pessoas é que diziam e continuam a dizer que eu tinha um magnífico pé esquerdo, mas não sou esquerdino, nunca fui. Eu sou destro, talvez também por isso enganava muitos adversários, mas as pessoas, incluindo jornalistas, nunca viram isso. Eu jogava mais vezes do lado esquerdo, fazia o corredor ofensivo mas também flectia muito para o interior. Tanto assim é que as grandes penalidades que marquei ao longo da minha carreira, foram sempre com o pé direito e nunca com o esquerdo. Dá-me vontade de rir, mas é verdade.
O seu último jogo de “quinas ao peito” foi a 12 de Outubro de 1988, em Gotemburgo, frente à Suécia (empate 0-0). Quase 27 anos depois, Chalana diz que agora é tudo mais fácil.
Hoje jogar na Selecção é muito diferente e mais fácil. No meu tempo eram só avançados de top, não era fácil ser chamado quanto mais ser titular. Está a ver um Jordão, Nené, Manuel Fernandes, Fernando Gomes e muitos outros.
Como treinador, em 2002, aquando da saída de Jesualdo Ferreira e antes da entrada do espanhol José Antonio Camacho, fez a chamada transição num jogo em que o Benfica derrotou o Sporting de Braga por 3-0. Poucos se recordarão tão bem desse jogo como o ex-internacional português Miguel, lançado a defesa direito, uma posição que nunca tinha experimentado.
A aposta no Miguel a defesa lateral direito foi o meu maior feito como treinador. Falei muito com ele, convenci-o que poderia ser um dos melhores naquela posição e a verdade é que depois foi titular da selecção portuguesa. Eu via que ele era muito veloz, tinha resistência, jogava bem e com os dois pés, portanto reunia todas as condições para ser um lateral de equipa grande.