“Gostava de ganhar o campeonato português”


Regressou ao Sporting por empréstimo do Manchester United e ajudou os leões a conquistar a Taça de Portugal, sete anos depois. O sonho de vencer o campeonato nacional é que ficou adiado. Pelo menos para já.

Recebeu outras propostas antes deste seu regresso?
Sim, tive alguns clubes interessados. Na altura não estava fácil. Estava no Manchester United e tinha de falar com o treinador para saber quais eram as intenções dele e ver se as condições finan­ceiras eram as melhores também. Acabei por vir para o Sporting porque foi uma decisão minha. Era o que sentia no coração que era o melhor para mim, independentemente de vir por empréstimo.

O que sentiu com aquela recepção no aeroporto?
Foi uma sensação única, a recepção com que qualquer jogador sonha. Foi dos momentos mais espectaculares da minha carrei­ra e vou lembrar-me para o resto da minha vida.

Sentiu responsabilidade acrescida pelo currículo?
Senti a responsabilidade de dar tudo para ajudar o Sporting a conquistar os seus objectivos. Se calhar, a nível individual, podia ter feito mais, mas compensei a nível colectivo. Preocupei-me em que fossemos unidos e praticássemos bom futebol. Esses objectivos foram alcançados e estou muito satisfeito pelo con­tributo que dei ao clube e aos meus colegas. Espero que eles possam dizer o mesmo e que no futuro seja isso que fica.

Mas curiosamente foi a sua época mais produtiva em termos de golos. Qual foi o segredo?
O segredo foi entregar-me de corpo e alma ao Sporting. Foi chegar com muita ambição e acreditar que era possível alcan­çar todos os nossos objectivos. Quando digo que podia ter feito mais é porque houve fases da época em que não estive muito bem, com alguns problemas físicos. Mas sempre que estive bem dei o meu melhor e consegui ajudar a equipa.

O que significaram aquelas lágrimas quando marcou ao Gil Vicente?
Foi por ter vindo de uma fase complicada, tinha estado lesio­nado. Andava com mazelas, queria dar mais e não conseguia. Sabia que a equipa precisava de mim, que contavam com uma prestação melhor da minha parte. Nesse jogo consegui ajudar da melhor maneira, com uma assistência e um golo, ainda para mais daquela dimensão. É fantástico, o sentimento vem todo para fora. Depois de me esforçar tanto ver que olharam para mim de outra maneira fez-me ter uma reacção diferente.

Foi o melhor golo da sua carreira?
Foi um dos melhores. Não foi o mais importante, mas um dos mais bonitos. Ainda para mais com o pé esquerdo. Não é que chute mal com o pé esquerdo... [risos] Mas foi fantástico.

Quais são as melhores recordações que guarda dos tempos em que esteve na formação do Sporting?
São os amigos, ainda hoje falamos e convivemos. Fiz a minha formação com jogadores fantásticos, que me ajudaram a evo­luir como jogador e como pessoa. Recordo-me de uma infância com muitas alegrias, com muito sacrifício e muita ambição. Só assim consegui atingir este patamar.



Já conquistou 15 títulos. Falta algum em especial?
Gostava de ganhar o campeonato português. Seria bonito se um dia conseguisse. Não sei se voltarei a ter a oportunidade de dis­putar esta liga, mas era um dos sonhos que gostava de realizar. Participar noutras ligas e ser campeão também seria bonito. O que os jogadores mais querem é ganhar títulos e desfrutar de um ano de trabalho com sucesso.

Em termos de Selecção, é possível chegar aos títulos?
Sabemos que é preciso ter sorte. Quando jogamos com as selecções mais fortes normalmente jogamos muito bem. Se encontrarmos um grupo mais acessível num Europeu ou num Mundial e chegarmos à final seria possível. Os portugueses têm esse sonho, mas sabemos que é muito difícil.

Fernando Santos foi uma boa escolha?
Sim. Sabemos que é muito complicado acontecerem os resulta­dos que todos desejam. Felizmente temos tido bons resultados e esperamos que sejam ainda melhores no futuro. É o que todos esperam, se possível vitórias com muitos golos. Mas o seleccio­nador entrou muito bem e está de parabéns pelo trabalho.

E a tão falada redução do castigo. É importante para o grupo sentir o seleccionador ali no banco?
Foi bom para o grupo. Apesar de sermos profissionais e saber­mos o que temos de fazer dentro do campo, é sempre impor­tante termos o seleccionador presente para nos dar indicações.

O Nani é um dos jogadores que mais faltas sofre. Sente que os adversários são duros consigo?
Sim, sinto que são duros, porque não há outra solução. Obvia­mente que se forem demasiado agressivos o problema vai ser deles. Acho que são duros porque não me podem dar muito es­paço, senão depois faço a diferença. O futebol é assim mesmo.

Que importância teve Alex Ferguson na sua carreira?
Teve uma importância enorme. Apesar de ter passado um ano ou outro em que joguei menos, continua a ser a pessoa que mais influência teve na minha carreira, por tudo aquilo que aprendi com ele. Estou-lhe muito grato. Qualquer jogador sonha jogar numa equipa com um treinador como o Ferguson.

Ser português fez com que os adeptos do Manchester United colocassem mais pressão sobre si, devido ao su­cesso que Cristiano Ronaldo teve no clube?
Houve muita comparação, mas sempre referi que somos joga­dores diferentes, com estilos diferentes. Sinto-me feliz pelo jo­gador que sou e espero ser cada vez melhor no futuro.



Terá lugar no Manchester United caso Van Gaal conti­nue em Old Trafford?
Sinto que preciso de estar como estou hoje, em excelentes con­dições para disputar a posição com qualquer jogador do mundo. Acredito nas minhas capacidades, precisava de um ano assim. Estando no meu melhor posso disputar o lugar com qualquer jogador à face da Terra. Estou feliz por me sentir assim. Agora vamos ver o que o futuro me reserva.

Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o inglês?
O futebol inglês é mais rápido e intenso, é mais forte fisicamen­te, mas o nosso tem muita qualidade, tem jogadores de excelen­te nível. Tecnicamente é muito evoluído. Mas o que diferencia o futebol inglês de todos os outros é a velocidade e haver mais objectividade nas equipas. É por isso que há tantos golos.

No seu caso, que sobressaía no futebol inglês, sentiu alguma facilidade quando regressou a Portugal?
Para ser sincero, senti algumas dificuldades porque quando ti­nha a bola via dois ou três adversários sempre em cima. Muitas vezes montaram estratégias para me pararem e era muito difícil produzir o meu futebol, porque sempre que tive espaço fiz a di­ferença. Quando cheguei parecia um bocadinho fácil, mas de­pois começaram a perceber que tinham de ter algum cuidado e com tanta marcação era complicado. Mas a liga portuguesa tem muito nível e foi uma experiência muito boa. Agradeço a todas as equipas, a todos os jogadores, por tudo o que deram neste campeonato. Gostei e é uma liga que tem tudo para evoluir.

Não há mesmo hipóteses de continuar?
Vim com contrato de um ano e tenho de voltar ao meu clube. Não é rejeitar o Sporting ou não querer voltar a jogar na liga por­tuguesa. Toda a gente sabe como vim, quanto tempo, porquê e todas as condições. O contrato era de um ano, agora tenho de voltar. Ou não. Estou preparado para o que vier.

Voltando ao futebol inglês. Sente que os jogadores são mais unidos do que cá?
Como equipa, são mais solidários dentro de campo. A entreaju­da, a reacção a uma jogada menos bem-sucedida, nesses casos sentes mais apoio. É o respeito que existe no campeonato. Tal­vez pelo nível de exigência, os jogadores estão mais unidos.

Qual foi o estádio mais difícil onde jogou?
Tive muitos. Na Champions fui ao campo do Besiktas, em Ingla­terra fui à casa do Liverpool, do Everton...

E como é jogar na Luz e no Dragão?
Ao jogar na Luz ou no Dragão também estou a jogar em casa, sei que tenho a família e os amigos por perto e isso facilita. Agora se vives noutro país é capaz de entrar na tua cabeça quando jogas em estádios que não conheces e onde há muita pressão.



Alguma vez foi vítima de racismo?
Que sentisse ou que levasse a peito, não. Já ouvi bocas, ouvi no­mes, mas acho que em todo o lado há isso e não me faz diferen­ça. Se algum dia forem racistas comigo nem vou ligar. Acho que temos de ser superiores a isso e ignorar ao máximo.

Tem alguma superstição antes dos jogos?
Gosto de me benzer. Sabemos que o futebol é um bocadinho duro e temos de ter sempre a sorte do nosso lado para não nos aleijarmos e estarmos sempre bem.

Qual é a sua principal virtude e o principal defeito?
Sou sincero e honesto. Aquilo que tiver de dizer, digo na cara. Muitas vezes perco muito por ser assim, por ser muito frontal, sem papas na língua. O defeito? Às vezes sou teimoso.

Qual foi a maior desilusão que teve no futebol?
Não ter ido ao Mundial [de 2010].

Espera jogar até que idade?
Até ao meu corpo pedir para não jogar mais. Por enquanto não penso nisso. Não tenho metas em relação à idade.

O facto de ter sido pai há pouco mais de um ano dá-lhe mais motivação para os jogos?
Ajuda muito e queria muito fazer mais golos para o meu filho porque quando chegava a casa ele dizia “papá, golo!” e, quan­do não marcava, ficava muito triste. Pensava “já não marco um golo para o meu filho há muito tempo, e agora?”. Os filhos tra­zem-nos mais força, sabemos que temos um bebé para prote­ger. Já não estamos a lutar só para nós, é para eles também.

Vai incentivá-lo para a prática do futebol?
Ele já está motivadíssimo. Vamos ver se vai manter essa moti­vação até à idade certa. Ele é habilidoso, cheio de atitude.



E gostava de o ver seguir essa carreira?
Gostava. O futebol é um desporto muito bonito.

O que diz dá aos jovens para singrarem no futebol?
Não parem de lutar, por mais complicado que esteja. Hoje as coisas podem estar difíceis, mas amanhã podem alcançar o que mais desejam, como me aconteceu a mim. Nunca desisti, ouvi muitos “nãos”. Se hoje não consegues fazer um passe lon­go, treina e amanhã já o fazes. E passam a ver-te com outros olhos.

Qual foi o momento mais alto da sua carreira?
Foi quando ganhei tudo pelo Manchester United. Melhor era impossível. Jogar num clube daqueles e ganhar tudo foi um ano fantástico. É um dos momentos que vai ficar para sempre gravado na minha memória.

Arrepende-se de alguma decisão na sua carreira?
Não. Temos de tomar decisões, umas são certas, às vezes não correm tão bem e temos de saber dar a volta. Se hoje alguma coisa me correr mal procuro logo arranjar uma solução para que amanhã me corra bem.

Os salários em atraso continuam a assolar o fute­bol português. Já foi confrontado com esta situação através de amigos?
Sei que há jogadores que ficam meses sem receber. É compli­cado, alguns recebem pouco e ainda é pior. Se tivessem um pé-de-meia acredito que não lhes fizesse tanta diferença. Tens fa­mília, tens filhos... E, nesses casos, concentrarem-se no futebol e jogar da melhor maneira é muito difícil. É lógico que gostava que todos tivessem os salários em dia e que não houvesse essas situações em Portugal. É preciso arranjar uma solução para que se possa ajudar esses jogadores.

Nesse sentido, qual é a impressão que tem do trabalho desenvolvido pelo Sindicato dos Jogadores?
É um excelente trabalho. Ajuda muito os jogadores que estão desempregados e em muitas outras situações, como em rela­ção aos salários em atraso. É um trabalho complicado, têm de ir para a “guerra”, mas ajudam muito os jogadores. Fiquei a saber de alguns colegas que não tinham clube e treinavam com o Sin­dicato para se manterem em forma e isso é bom. Por um lado deixa-me contente, porque sei que estão a ser ajudados.

Última questão: por que lhe chamam Nani?
Quando era bebé, a minha irmã tomava conta de mim e tinha uma maneira muito mimada de me chamar e fiquei Nani.