À espera de Fernando Santos
Campeão pelo Benfica, regressou no Verão do ano passado ao futebol português para representar o Olhanense na II Liga, após passagens por Inglaterra e Chipre.
O objectivo de José Moreira é claro: aos 33 anos trabalha para voltar à Primeira Liga e à Selecção Nacional.
Quando, no dia 1 de Setembro, já com os campeonatos a decorrer, se concretizou o regresso a Portugal e ao Olhanense, que milita na II Liga, muitos estranharam a decisão de Moreira. O principal motivo foi a vontade de regressar a casa e continuar a jogar.
“Saí do Benfica para o Swansea com o intuito de jogar. Não estava a conseguir fazê-lo e sentia que com o Jorge Jesus não ia jogar. Foi a minha primeira experiência no estrangeiro, saí da minha zona de conforto. Infelizmente não correu bem, mas cresci como homem. Depois fui para o Chipre e cresci como guarda-redes. Fiz mais de 100 jogos, agora sinto-me mais completo. Quando recebi o convite do Américo Branco [director desportivo do Olhanense] foi como uma chamada ao coração: ‘Confio em ti, anda para cá e vais mostrar outra vez em Portugal o que vales.’ Estou muito satisfeito por ter aceitado.”
Foi campeão, tem 33 anos, uma carreira feita, mas sente que ainda tem um longo percurso pela frente. “Estou grato pelo que já fiz no futebol português mas a minha carreira ainda vai a meio, quero jogar no mínimo mais sete anos. Os três anos em que estive lesionado foram como se o carro tivesse estado na garagem, não andou. Espero que essa pausa me vá prolongar a carreira. Gosto muito de jogar futebol e enquanto me sentir em condições, vou jogar.”
De facto, as lesões, principalmente nos joelhos, afectaram a carreira de Moreira. Em determinados momentos, quando se impunha na baliza do Benfica, aparecia mais uma lesão. Uma situação que o actual guardião dos algarvios superou e espera ter deixado para trás.
“É como uma ferida de guerra que tenho e senti isso quando saí do Benfica e quando rescindi com o Swansea. Muitas pessoas diziam: ‘se não fossem as lesões...’ Espero agora, e num futuro próximo, poder provar que foi uma marca que tive, que está comigo, mas espero ter ultrapassado. Quem acompanha a II Liga pode ver que estou bem e que quero mais, mas é um passo de cada vez. Sou guarda-redes desde os dez anos e se pudesse jogava até aos 50, não sei é se vou conseguir! Enquanto me sentir com forças, vou levantar-me todos os dias da cama a pensar em treinar.”
Além da enorme paixão que sente pelo futebol, os exemplos de Preud’homme e Buffon também motivam Moreira a querer prolongar a carreira por muitos mais anos. “Quero jogar até tão tarde por vontade própria mas ver que ídolos meus conseguiram ainda me dá mais força. O Buffon ainda está a jogar e duvido que queira acabar tão cedo. E dou o exemplo do Casillas, que mudou de país porque quer continuar a jogar ao mais alto nível”, refere.
E destaca uma especificidade da posição: “Só joga um, é o grande problema. Podemos estar tapados uma vida inteira, a vida de um guarda-redes é sempre muito ingrata. Neste momento estou a jogar, trabalho todos os dias para melhorar e, sou sincero, se puder vou jogar até aos 50 anos. Vejo guarda-redes em Inglaterra, na Premier League, com 42 ou 43 anos. E jogam, treinam e estão em alto nível.”
Buffon é uma referência da actualidade, Preud’homme foi-o no Benfica, mas quem foi a principal inspiração de Moreira para querer ser guarda-redes? “Lembro-me do Zé Beto no FC Porto, do Silvino no Benfica, depois apareceu o Vítor Baía. Foram guarda-redes que marcaram gerações. O Preud’homme só comecei a ver no Mundial de 94, tinha 12 anos, e esses guarda-redes inspiraram-me. Depois começamos a ver vídeos e gostamos mais de uns do que de outros, às vezes até por causa da cor das luvas ou das botas”, aponta.
E acrescenta: “O objectivo do guarda-redes é evitar os golos das equipas adversárias, seja a defender com a cabeça, com os pés ou com as mãos. Gosto de guarda-redes práticos, que não façam defesas para a fotografia, que coordenem bem a defesa e que sejam exigentes com eles próprios. É isso que procuro fazer.”
Novas conquistas no reino do Algarve
No Olhanense encontrou um plantel muito jovem, de bons miúdos, com qualidade e a adaptação foi boa. “A II Liga é completamente diferente da I, é uma competitividade enorme, o último pode ganhar ao primeiro como a gente bebe um copo de água. Cada jogo é quase como uma final e é muito difícil jogar na II Liga. Mas é um campeonato bastante interessante, de muita luta e, como é óbvio, estou a aprender muito.”
Moreira acredita que ainda vai jogar na I Liga e gostava de concretizar esse objectivo ao serviço da equipa que representa. “Se for pelo Olhanense e para o ano, melhor ainda. Sabemos que é muito difícil, o Olhanense está num período de estabilização para crescimento. O objectivo claro é a manutenção, mas se entrarmos para cada jogo e o vencermos de certeza que no final da época vamos subir.”
O clube passou por uma fase de alguma instabilidade num passado recente, mas Moreira sente que os adeptos estão com o clube. “Depois da última passagem pela I Liga, o Olhanense passou por maus períodos e é normal que as pessoas se sintam magoadas. No início achei que as pessoas estavam mais afastadas e os jogadores sentem o conflito entre o clube e a SAD, mas acho que está a melhorar.”
E deixa elogios às pessoas de Olhão: “Têm muita força. São pessoas do mar, habituadas a dificuldades, e se todos juntos remarmos para o mesmo lado acredito que o apoio que as pessoas dão ao Olhanense vai ser muito importante.”
O regresso ao Estádio José Arcanjo, depois de no último ter chegado a jogar no Estádio do Algarve, também foi fundamental para uma maior ligação entre os adeptos e o clube. “Sou apologista de que os clubes devem ter os seus próprios estádios. Para os adeptos há o gostinho de jogar no próprio estádio. Se calhar hoje um adepto vai com o filho ao José Arcanjo e diz-lhe que esteve ali com o avô do miúdo. Isso também é uma das belezas do futebol. É bom inovar, mas não podemos cortar tudo pela raiz.”
Sendo o jogador mais experiente da equipa, é natural que aconselhe os colegas mais jovens. E uma das principais mensagens é que dêem o máximo e procurem colocar sempre a fasquia bem alta.
“Costumo dizer para jogarem o próximo jogo como se fosse o último, porque depois de feito já não podemos voltar atrás. Treinem cada dia mais e esforcem-se mais porque um jogador com pouco talento pode ser jogador se trabalhar muito. Com um jogador com talento e pouco trabalho às vezes não acontece isso. Vemos o Cristiano Ronaldo, que é o melhor do mundo, mas se calhar também é o jogador que mais trabalha em todo o mundo.”
E esta nova experiência, agora numa equipa da II Liga, permite-lhe avaliar melhor o trabalho do Sindicato dos Jogadores. “Posso comprovar que tem um papel essencial ao nível da protecção dos jogadores. Conheço casos de jogadores que não sabem como funciona a estrutura do futebol, não sabem os direitos nem os deveres e é nessa altura que o Sindicato entra e que pode ajudar muito os jogadores em erros que tenham cometido, em situações fiscais, laborais, em tudo. É um grande apoio.”
“Renascer” aos 33 anos
Internacional e campeão, os adeptos tratam-no sobretudo com respeito pela sua forma de trabalhar. “Não vim para o Algarve porque tem sol e tem golfe. Vim para ser guarda-redes do Olhanense e ajudar o clube com o meu trabalho. E acho que não existe uma pessoa em Olhão que possa dizer que o Moreira trabalha menos do que um miúdo de 15 anos. O meu objectivo é trabalhar mais do que todos. Quero ser sempre o primeiro a chegar, chegar atrasado é impensável, e o último a sair. Não quero que me vejam por aquilo que conquistei, mas pelo que conquisto todos os dias.”
Se este discurso revela ambição, mais surpreendidos ficámos ao ouvir Moreira falar da Selecção. “Na minha casa, na zona das camisolas da Selecção, a seguir à da minha internacionalização contra o Liechtenstein está lá uma moldura vazia, que quero preencher com uma ou mais camisolas da Selecção. Não sei se vai ser possível, vai ser muito difícil, mas trabalho para isso.”
Existem casos de guarda-redes que chegaram a internacionais com 33 anos, caso de Pedro Espinha, então no V. Guimarães, e outros que jogaram ainda mais velhos, como Silvino e Damas, que se estreou com 21 anos e vestiu a camisola das quinas pela última vez passados 17 anos, em pleno Mundial do México, em 1986.
E Moreira fala com orgulho do seu passado na Selecção. “Tenho uma internacionalização em cada escalão da Selecção Nacional. Acho que só o Bosingwa também conseguiu pelo menos uma em cada: Sub-15, 16, 17, 18, 20, 21, B, olímpica e A. E tenho lá as camisolas todas, desde os Sub-15 até à minha primeira A. A seguir está um espaço por preencher.”
O medo da 24 de Julho
Natural do Porto, fez a sua formação no Salgueiros e mudou-se para o Benfica em 1999. Assinou pelos encarnados dois anos antes mas preferiu permanecer emprestado ao clube de Paranhos por temer as distracções da capital.
“Quando fomos campeões de juniores em 2000, e o Benfica já não o era há 10 anos, o meu velho amigo Chalana perguntava, numa entrevista, porque é que iam mais jogadores do norte à Selecção. E dizia que era porque em Lisboa existia a 24 de Julho.” O antigo treinador do guarda-redes confirmava assim os receios de Moreira.
“Com 15 anos assinei pelo Benfica mas uma das minhas condições era só vir para Lisboa quando me sentisse preparado. Tinha medo de vir para Lisboa sozinho porque quando ia à Selecção via que os jogadores de Lisboa eram muito mais à frente. Temia vir para cá e perder-me.”
Dois anos depois, com 17, já se sentia confiante e preparado para o grande salto. “Jogava pelos juniores, pela equipa B, ia ao banco da equipa principal, foi uma roda-viva e tomei a decisão correcta, não me arrependo. E aqueles dois anos emprestado ao Salgueiros permitiram-me ganhar experiência porque jogava e pude mentalizar-me para a mudança que ia ter.”
Depois de um torneio inter-associações no qual defendeu 11 penalties, numa altura em que já tinha os três grandes e o Boavista a segui-lo, seguiu-se a participação numa prova que tornava impossível a sua continuidade no Salgueiros.
“Com esse torneio tive um pequeno 'boom' e com a chamada à Selecção logo a seguir, para irmos aos Jogos Olímpicos da juventude, em Moçambique, o assédio foi cada vez mais forte. Todas as equipas fizeram chegar propostas ao Salgueiros, que só aceitou a do Benfica. Por acaso também era a que eu mais queria e felizmente assinei.”
Foto: Carlos Vidigal Jr./ASF
Quando viu o Salgueiros cair no futebol amador sentiu uma grande tristeza porque esteve ligado ao clube durante sete anos, mas em Dezembro ficou feliz com a notícia de que o clube voltou a recuperar o nome de Sport Comércio e Salgueiros. “Quer dizer que está no bom caminho. Está a fazer um bom campeonato e gostava muito que um dia o Salgueiros pudesse voltar à I Liga.”
Apareceu muito novo como titular do Benfica, com 19 anos, numa fase em que o clube tinha pouco proveito com a formação. “Apanhei o Benfica numa altura de transição total. Assinei com o Manuel Damásio, estive com o Vale e Azevedo, com o Manuel Vilarinho e com o Luís Filipe Vieira. Quando veio do Alverca, o sonho dele era fazer algo grande no Benfica. É muito mais fácil jogar hoje no Benfica do que naquela altura porque havia 10 ou 12 jogadores a entrar todos os anos.”
E Moreira reforça esta ideia: “Lembro-me que na melhor época que fiz, em 2003/04, fui ao Europeu, fui aos Jogos Olímpicos, e nesse ano o Benfica contratou o Quim e o Yannick, ou seja, mais dois guarda-redes para me fazerem frente. Não sei se foi bom ou se foi mau, faz parte do futebol, mas é óbvio que hoje não iria acontecer isso. Desde 1999 até ao ano em que saí, o Benfica evoluiu muito. Hoje é um clubes de top, não em Portugal, a nível mundial.”
Moreira não teve a vida facilitada no Benfica. Quando não foram as lesões a travar a sua afirmação, era o período instável que o clube atravessava. O único treinador que teve mais do que um ano foi Jorge Jesus.
“Todos os anos tinha de batalhar para convencer um novo treinador. No início da época com o Quique Flores estava o Quim, estava eu e falaram que vinha o Codina, mas ficámos nós e o Moretto. O Quim começou a jogar e depois, felizmente, num jogo na Madeira contra o Marítimo, que ganhámos por 6-0, o Quique meteu-me a jogar. As coisas correram bem e continuei. Depois, quase no final da época, o Benfica ganhou a Taça da Liga contra o Sporting, em que o Quim defendeu três ou quatro penalties, e no jogo a seguir meteu o Quim outra vez. Não entendi, mas respeitei.”
Nas duas últimas jornadas o técnico espanhol voltaria a apostar em Moreira, que foi chamado à Selecção para um jogo de apuramento para o Mundial de 2010. “Estive no banco e no jogo amigável a seguir jogou o Beto. Na época seguinte, quando entra o Jorge Jesus no Benfica, antes do último jogo da pré-época foi o jogo contra o Liechtenstein e foi uma alegria imensa. Infelizmente, depois não pude dar continuidade à época anterior em que acabei a jogar, mas faz parte do futebol. Mas não parei ali, quero algo mais e espero ter uma ou mais oportunidades na Selecção.”
A visita nocturna de Trapattoni
Na época 2004/05, na qual o Benfica venceu o campeonato pela mão do técnico italiano Giovanni Trapattoni depois de um jejum de 11 anos, Moreira perdeu a titularidade para Quim após uma derrota por 4-1 no Restelo, diante do Belenenses. Um jogo marcante na carreira de Moreira, que nos recorda esse momento.
“Foi injusto e disse-lho. Na véspera do jogo seguinte ele foi ao meu quarto dizer-me que me iria tirar do jogo e que depois me voltava a pôr contra o Sporting, no primeiro jogo de Janeiro. Lembro-me perfeitamente. Estávamos num hotel em Oeiras, batem à porta do quarto e o Manuel dos Santos foi abrir. Era o Trapattoni, que queria falar comigo. Disse-me: ‘desculpa, mas não te vou pôr a jogar amanhã, é uma decisão minha. Não foi o que tu fizeste, mas perdemos 4-1 e a equipa precisa de algo.’ Respondi-lhe: ‘Não concordo, mas está a fazer uma coisa em prol da equipa.’ A nível pessoal foi uma decisão que me devastou, mas hoje acho que foi uma situação normal. Ele era pago para ser treinador e tomar decisões. A verdade é que fomos campeões nacionais, o Trapattoni conseguiu esse título. Tirou-me da baliza e num dos jogos mais importantes da época, o famoso Estoril-Benfica no Estádio do Algarve, pôs-me a jogar. E no jogo a seguir tirou-me outra vez da baliza. Foi impressionante, porque jogámos quarta-feira para a Taça de Portugal com o Estrela da Amadora, ganhámos 3-0 fora, e no jogo seguinte, esse contra o Estoril, meteu-me a jogar. Ganhámos 2-1 e demos um grande passo para a conquista do título. Mas o Trapattoni é muito assim, funciona muito ao nível do psicológico, para motivar a equipa. E conseguiu. Não concordei com a decisão, continuo a não concordar, mas aceito-a. E gostei da honestidade dele em falar comigo antes. No final da época fomos campeões e há que bater palmas ao Trapattoni.”
A experiência além-fronteiras
Deixou de ser aposta no Benfica e, após 12 anos na Luz, decidiu sair para o Swansea. Moreira diz que gostou muito da experiência, cresceu como homem, só não gostou de ter feito apenas um jogo.
“Fui o primeiro guarda-redes a ser contratado e foi pelo chairman, que passava férias no Algarve e conhecia-me. O treinador não me conhecia e foi buscar o Michel Vorm, antes já tinha contratado o Gerhard Tremmel. Íamos alternando, mas ele preferia o Tremmel. A certa altura, como não estava a jogar, rescindi o meu contrato e fui à procura da minha felicidade.”
Foto: Carlos Vidigal Jr./ASF
Foi numa ilha no Mediterrâneo que a encontrou, no Chipre, ao serviço do Omonia, que defendeu durante três épocas. Quais são as principais diferenças entre a liga cipriota e a nossa? “Primeiro, o modelo de campeonato, que apanhei com 12 e com 14 equipas. Fazes duas voltas, são 22 jogos. As primeiras seis faziam mais dez jogos, duas voltas entre elas, o mesmo para as seis últimas. No total, 32 jogos. No final do ano, das seis de baixo descem duas, das seis de cima o campeão vai à Champions e três vão à Liga Europa.”
Moreira ficou fã do modelo e aconselha a a adopção desse modelo com 16 equipas ao nosso campeonato. “Imagina o que é teres numa época mais dois Benfica-FC Porto, mais dois FC Porto-Sporting, mais dois Sp. Braga-Estoril. A nível de competitividade e receita seria melhor. Abdicava da Taça da Liga para criar este modelo com mais jogos. E os clubes iam agradecer.”
Outra diferença que Moreira encontrou entre as duas ligas é que lá os adeptos são “mais doidos”. E explica. “Não no mau sentido, mas é permitido fogo-de-artifício nos estádios, petardos, é permitido tudo. São fanáticos por futebol e muito malucos pelas suas equipas.” Diz que a qualidade dos árbitros é “muito má” e fala num sistema curioso: “Nos jogos que consideram importantes têm cinco árbitros, como na UEFA, com dois de baliza, mas em jogos menos importantes não há esses árbitros, o que acaba por desvirtuar o campeonato.”