“Em Portugal dá-se cada vez menos valor aos jogadores portugueses”
Pedro Mendes, do Glasgow Rangers, antevê uma temporada intensa, elogia o SJPF e não esconde que gostaria de voltar a envergar a camisola de Portugal.
Como é que antevê mais uma época desportiva num campeonato difícil e rigoroso como a liga escocesa?
Como sempre, com descanso, sem descuidar muito a forma física, mas descansando muito, para carregar as baterias, porque a competição, como sempre, será muito dura e desgastante. E quando temos a oportunidade de descansar, temos de aproveitá-la ao máximo, porque tão cedo não será possível deixar de pensar na competição, nos treinos, nos jogos. Na Escócia, o campeonato é duro, é exigente e reclama dos jogadores uma entrega constante e um sacrifício permanente. Gosto do campeonato, da atmosfera, da relação com os adeptos e com os media, mas todos devem saber que um lugar na equipa ganha-se com muito suor, muita dedicação e sobretudo um grande comprometimento com o clube. E também com talento.
É considerado um dos médios mais decisivos e talentosos do campeonato escocês. De que forma é que as autoridades futebolísticas na Escócia olham para o talento que importam de Portugal?
Existe uma admiração generalizada dos clubes escoceses pelo talento português. Não sei se sou considerado um dos melhores médios do campeonato, mas sei que o meu valor é bastante reconhecido na Escócia. E mais do que o meu valor, todos reconhecem o meu profissionalismo e a forma comprometida como me relaciono com o clube e com o futebol escocês. Os jogadores portugueses são muito apreciados na Escócia, todos sabem que o melhor jogador do Mundo é português, alguns outros são também dos jogadores mais admirados em todo o Mundo e se não é maior o número de portugueses na liga escocesa é porque os nossos melhores talentos já estão demasiado valorizados para as possibilidades económicas dos clubes na Escócia. Eu gostava de ver mais jogadores portugueses na Escócia e estou seguro de que os clubes escoceses também procuram os talentos emergentes do nosso futebol. O jogador português é talvez mais reconhecido no estrangeiro, como acontece na Escócia, do que no nosso País.
Por que é que acha que isso acontece?
Não tenho ideias definitivas sobre esse fenómeno, mas apenas alerto para a sua existência. Em Portugal, dá-se cada vez menos valor aos jogadores portugueses e acho que isso é um erro, porque apercebo-me, fora do País, que os clubes estrangeiros quando procuram talento, fazem-nos em mercados onde sabem que ele existe. E procuram em Portugal porque conhecem a nossa qualidade e reconhecem que Portugal é um viveiro de jogadores, de grandes talentos. E começam a saber, cada vez mais, que os clubes portugueses desaproveitam esse talento. Por que é que se gasta tanto dinheiro na formação de jogadores? Os clubes estrangeiros pressentem isso e contratam os nossos talentos cada vez mais cedo.
Sente que ainda está a tempo de reencontrar um espaço no futebol português?
Não penso nisso todos os dias, porque sou bem tratado na Escócia, pelos adeptos, pelos meus companheiros e pelos meus dirigentes. Se isso tiver de acontecer, muito bem. Se não houver oportunidade, vou continuar a minha carreira internacional. Mas acho que a questão deve ser colocada ao contrário. Estará interessado o futebol português no meu regresso? Tenho algumas dúvidas, não sei se em Portugal reconheceriam a minha qualidade como o fazem na Escócia. Um jogador de futebol não é diferente de outra pessoa qualquer. Eu estou bem onde me sinto bem. Por agora é aqui, em Glasgow, que me sinto bem e profissionalmente realizado. Tenho a felicidade que outros jogadores portugueses não têm, quando saem do País, à procura de melhores condições, e afinal encontram pessoas sem escrúpulos e uma vida muito difícil. Por isso é que digo que os clubes portugueses deviam ser mais ambiciosos no aproveitamento do talento nacional.
A tendência em Portugal aponta para uma crescente “estrangeirização” das competições profissionais. Acredita que é possível travar e inverter a situação?
É possível, desde que haja vontade dos dirigentes e também dos treinadores. A culpa não é só dos dirigentes. Os treinadores também devem ser mais exigentes, devem recomendar aos seus clubes a contratação de jogadores portugueses. Bem sei que não são eles que mandam, que decidem, mas podem influenciar positivamente os dirigentes. Em Portugal existe muito talento desperdiçado, porque os jogadores, sobretudo os mais jovens, estão tapados pela chegada constante de jogadores estrangeiros. Estou à vontade para o dizer, porque sou um jogador estrangeiro num país que não é o meu, mas também sinto que os clubes escoceses não desprotegem os seus talentos. Contratam jogadores estrangeiros que possam acrescentar outra qualidade às equipas, mas os jogadores escoceses continuam em grande maioria nos campeonatos profissionais. Isso reflecte-se na selecção escocesa, que está a recuperar prestígio e tem uma equipa competitiva, o que já não acontecia há muitos anos. Porque há uma aposta dos clubes no jogador escocês ou localmente formado.
Em Portugal, os estrangeiros também começam a alastrar à selecção nacional…
Sobre esse assunto, não devo nem quero alongar-me muito. Apenas dizer que não gosto muito da ideia de ter muitos jogadores estrangeiros na selecção. E não digo isso porque não sou chamado, ou por causa da chamada de Liedson. É uma questão de princípio e de não descaracterizar um espaço que devia ser de consagração dos jogadores nacionais. Quero que fique bem entendido que não estou contra ninguém, mas ninguém deve levar a mal que expresse a minha opinião.
Ainda admite o regresso à selecção nacional?
Admito, como sempre admiti. Falta agora que o seleccionador também admita. Mas também admito que na posição em que jogo, há muita oferta, há muita qualidade. Todos os jogadores gostam de jogar pela sua selecção. Eu não fujo à regra, adoro a selecção nacional, gostaria de voltar, já alimentei bastante essa expectativa, mexeu muito comigo a possibilidade de voltar a vestir a camisola da selecção. Não aconteceu, paciência. O meu trabalho está feito e vai continuar a ser feito, como de costume. Se as pessoas considerarem que devo voltar, então voltarei.
Acredita no apuramento da selecção para o Mundial 2010?
Não só acredito, como acho que deve acontecer. Portugal tem condições para vencer todos os jogos que ainda tem de realizar. Seria uma lástima que Portugal não estivesse no Mundial, para a imagem do jogador português no Mundo, para a imagem de Portugal. E como seria possível que no Mundial não estivesse o melhor jogador do Mundo? Acredito e acho que vamos conseguir.
Como é que considera o trabalho realizado pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol na promoção e defesa dos jogadores?
Acho que está a fazer um trabalho extraordinário. Tem conseguido importantes vitórias para os jogadores, tem conseguido organizar iniciativas que defendem a posição dos jogadores e sobretudo tem conseguido agitar as consciências. Ainda há muita coisa para fazer, mas o Sindicato é uma voz muito activa na defesa do futebol e dos jogadores e tem de continuar a sê-lo, numa altura em que a relação entre clubes e jogadores nem sempre é muito regular. Os jogadores sentem-se apoiados, mesmo os que jogam no estrangeiro, como eu. O presidente do Sindicato mantém via aberta com os jogadores, nós sentimos a sua preocupação e sentimos que todos os nossos problemas têm uma tentativa de resolução. Mesmo no estrangeiro, o Sindicato tem esse reconhecimento. Falo com alguns colegas meus do Glasgow Rangers, escoceses e estrangeiros e eles reconhecem a importância do Sindicato e principalmente a importância da sua visibilidade, quando discutimos entre nós, questões que dizem respeito à nossa actividade, aos nossos direitos e deveres. O Joaquim Evangelista é claramente um dirigente preocupado com os jogadores e não um dirigente preocupado com a sua imagem. Aliás, na defesa dos interesses dos jogadores, por vezes, desgasta a sua imagem. E isto também é um serviço que presta aos futebolistas, pois nem toda a gente o faria.
Entende que os jogadores profissionais em Portugal já se aperceberam da importância de dar força ao Sindicato, criando um espírito de classe que permita ao Sindicato proteger melhor os interesses e os direitos dos jogadores?
É uma área em que acho que o Sindicato deve continuar a crescer. Mas com a ajuda dos jogadores. No limite, o Sindicato será sempre aquilo que os jogadores queiram que ele seja. Não nos podemos lembrar apenas do Sindicato quando precisamos dele. É como ir ao dentista. Não podemos ir ao dentista apenas quando nos dói os dentes. Os jogadores devem apoiar as iniciativas do Sindicato, devem pagar as quotas, devem participar nas iniciativas do Sindicato, devem ajudar o seu presidente a ter mais força, quando defende as suas posições, porque ele está a defender os jogadores, não está a defender-se a si próprio. Eu vejo o exemplo inglês, onde os jogadores têm uma consciência de classe e ajudam o sindicato inglês. É tudo muito profissional, mas porque os jogadores ajudam e percebem a importância do Sindicato inglês, que, de facto, tem uma força enorme no futebol britânico.