"O jogador português consegue dar muita qualidade às equipas"
Paulo Bento fala do futebol nacional, do jogador português e do play-off de apuramento para o Euro 2012.
Qual o sentimento do seleccionador nacional, agora que Portugal está dependente de um play-off para chegar à fase final do Europeu?
Mais do que expressar um sentimento, tenho a forte convicção de que vamos estar na fase final do Campeonato da Europa. Encontrámos a Selecção num contexto difícil mas conseguimos discutir o primeiro lugar e apuramento directo até ao último jogo, algo em que, se calhar, muitos chegaram a pensar ser impossível de acontecer. É verdade que desperdiçámos essa hipótese no último jogo da fase de grupos, mas temos agora uma segunda oportunidade, por via do play-off. Não escondo que ficou alguma insatisfação por não termos conseguido alcançar já esse objectivo, mas faremos tudo o que está ao nosso alcance para estarmos presentes no Campeonato da Europa.
Quais as expectativas para os jogos com a Bósnia?
Temos absoluta consciência de que vamos enfrentar uma equipa forte e com qualidade. Trata-se da repetição de um duplo confronto que nos qualificou, há dois anos, para o Mundial da África do Sul, apenas com a inversão dos jogos. Estou confiante, mas é importante não esquecer que a Bósnia tem, hoje, muito mais maturidade e bons argumentos, tanto colectiva como individualmente. Além disso, o ambiente e o campo onde jogaremos vão aumentar as nossas dificuldades. Acredito, contudo, que com o carácter e a personalidade dos jogadores vamos resolver a nosso favor uma eliminatória em que cada uma das equipas tem 50 por cento do favoritismo. É minha convicção que vamos estar no Campeonato da Europa e que não foi por perdermos um jogo e uma oportunidade que deixei de acreditar o nosso valor!
Li numa entrevista sua que a recuperação de que falou se ficou a dever, em grande parte, à atitude dos jogadores. Isso foi, de facto, determinante para Portugal alimentar o sonho de estar no Euro 2012?
O que quis realçar foi o seguinte: encontrei um grupo com um sentido da realidade bastante claro, com um sentido de responsabilidade muito elevado para dar a volta a uma situação que não era fácil e uma atitude que, tanto nos jogos de qualificação como nos particulares, foi a atitude que uma equipa deve ter quando representa o seu país! À parte daquilo que é mais visível, ou seja, os resultados, somos hoje uma equipa competitiva e que sabe extrair dos jogos os ensinamentos necessários para crescer... enquanto equipa.
Como seleccionador, sente que dispôs de um bom leque de opções, atendendo àquilo que é a realidade actual do jogador português?
Portugal tem bons jogadores. Tem futebolistas de qualidade, jogadores com muita maturidade e que jogam nas melhores ligas e em alguns dos melhores clubes da Europa. Mas temos diferenças em relação a outras selecções... Se compararmos Portugal com o campo de recrutamento que têm, por exemplo, Brasil, Argentina, Espanha ou, até, a Alemanha ou a Itália, concluímos que não temos a mesma base de trabalho que têm essas selecções. Portugal tem é, actualmente, e não me refiro apenas aos 20/23 que possam vir a ser chamados, um conjunto muito vasto de jogadores que podem estar na Selecção Nacional. E falo, também, de alguns jovens jogadores de muita qualidade, que precisam de um espaço maior para crescer e se tornarem, então, mais competitivos e opções válidas para a Selecção.
Foi jogador, treinador de equipas jovens, treinador de clube e agora seleccionador. O jogador português mudou muito ao longo dos anos?
O jogador português teve sempre algo que o caracteriza: a capacidade técnica. Depois, também fruto de outras experiências que foram tendo ao longo do tempo, nesses campeonatos e equipas de que já falei, foram evoluindo naturalmente. Esse é, aliás, o caminho lógico de alguém que quer chegar ao mais alto patamar... A verdade é que, se calhar, em termos colectivos, as equipas portuguesas e a própria Selecção Nacional também se foi tornando um pouco mais agressiva, mais competitiva. Portanto, de há uns anos a esta parte, houve uma evolução natural em termos tácticos, na dimensão física do próprio jogo, que é hoje diferente daquilo que era há uns anos, mas numa coisa o jogador português não mudou: continua a ter uma grande capacidade técnica, continua a ser um jogador talentoso, imprevisível, por isso, continuamos a ter dos melhores jogadores da Europa e do Mundo.
"A escola de guarda-redese os defesas esquerdos..."
Questão importante tem a ver com o campo de recrutamento dos treinadores. Em tempos dizia-se que tínhamos falta de pontasde-lança. E hoje? Quais as maiores dificuldades que enfrenta o seleccionador nacional?
Durante muitos anos, defendemos que havia dificuldade em recrutar pontas-de-lança. Nas últimas épocas tivemos Pauleta como o grande goleador, mas durante esses anos tínhamos, também, jogadores de enorme qualidade... Se calhar a década de 80 teve muitos jogadores com boas condições e Portugal só em 1984 e 86 esteve em fases finais. Mas tínhamos Manuel Fernandes, Jordão, Nené, Gomes... E a Selecção não usufruiu da qualidade desses jogadores. Depois disso fomos ao encontro de outras soluções, com o João Pinto, o Sá Pinto, Figo, Sérgio Conceição, agora o Ronaldo... Hoje, há realmente algumas lacunas que nos levam a ter de olhar para certas posições com mais cuidado e a alargar o leque de observações: os guarda-redes, não pela qualidade mas pela assiduidade com que alguns jogam, por vezes levam-nos a ter um leque de escolha não muito abrangente; e defesas esquerdos de raiz não há assim tantos, mas temos um jogador que, fruto de uma adaptação extraordinária, consegue ser um dos melhores do mundo actualmente. Há, depois, pontualmente, o caso dos médios defensivos e dos pontas-de-lança, mas vamos tendo soluções para o presente e o futuro.
O talento e a capacidade técnica são, no fundo, as grandes características do jogador português... Mas houve evolução...
Sim, o talento e a técnica são algo inato! Pode ser trabalhado, é certo, mas nasce com o jogador. Depois, dentro da organização das equipas onde passa, o jogador português vai evoluindo sob o ponto de vista táctico. Se virmos bem, hoje, os próprios brasileiros são muitas vezes criticados por estarem a ver o jogo mais pelo lado organizativo do que pelo espectáculo. Mas essa é a evolução do futebol e levou as equipas a jogarem de uma forma mais organizada e a dependerem menos dos talentos. O jogador português é talentoso, intuitivo e cresceu sob o ponto de vista colectivo e físico, porque o futebol é, hoje, um jogo mais rápido, mais agressivo e até mais dinâmico.
Figo e Cristiano Ronaldo forem eleitos Melhores do Mundo em poucos anos. Essa é mais uma prova da evolução de que fala?
Sim, tem muito a ver com o que estamos a falar... São dois jogadores de grande capacidade técnica, de características diferentes, é certo, mas que uma coisa têm em comum: a capacidade técnica e o talento. E ambos, o Figo antes e o Ronaldo agora, sempre estiveram envolvidos numa dinâmica colectiva que os fez evoluir a outros níveis. E são dois jogadores que, em termos físicos, se conseguem manter no top durante muito tempo. Pela capacidade de trabalho, pela forma como encaram a competição, pelo espírito. São dois bons exemplos de que o jogador português consegue dar muita qualidade às equipas. E sem comparar directamente nem falar do mesmo talento, outros jogadores há que, se tiverem um bom espaço competitivo para crescerem, poderão ser grandes jogadores, independentemente de serem Ronaldos ou Figos, porque esses, já se sabe, só aparecem de tempos a tempos...
“Espero contar sempre com o apoio do público!”
A derrota com a Dinamarca e a necessidade de disputar o playoff de apuramento para o Europeu pode ter esfriado a relação do público com a Selecção Nacional. Paulo Bento prefere olhar para o jogo de dia 15 de Novembro com optimismo e uma forte convicção...
Espero contar sempre com o apoio do público! Enquanto grupo de trabalho, consciente e já com grande maturidade, estamos receptivos à crítica e temos a noção exacta de que não fizemos tudo bem, nomeadamente no último jogo, na Dinamarca. Mas não devemos pôr tudo em causa pelo facto de termos de disputar o play-off... O apoio do nosso público é essencial e indispensável, portanto, acredito que vamos poder contar sempre com os portugueses! Um mea-culpa com a consciência de que Portugal tem, apesar de tudo, condições para estar no Europeu. Mas o "sim" do público no próximo dia 15 de Novembro pode ser também fundamental!
O jogador português tem talento e tem sucesso, as equipas portuguesas ou onde jogam portugueses conquistam títulos... O que falta para a Selecção Nacional conseguir, também, uma importante conquista?
É difícil comparar. Quando falamos do jogador português, é numa vertente individual. Quando falamos das equipas portuguesas, é numa perspectiva colectiva e a maioria está recheada de jogadores de outras nacionalidades. E depois falamos de uma Selecção Nacional, que junta esporadicamente um núcleo de jogadores para encarar uma fase de qualificação ou um particular, à qual não se deve exigir a mesma coisa, em termos colectivos, do que à equipa de um clube. Mais ainda numa equipa como a portuguesa, onde os jogadores vêm dos mais variados países e das mais variadas equipas. É uma situação totalmente diferente quando comparada, por exemplo, com o que acontece em Espanha – quase todos os jogadores jogam no campeonato e o onze inicial é formado, praticamente, por jogadores dos dois principais clubes. Mas não só... Itália, Inglaterra e Alemanha são, igualmente, selecções cujos jogadores jogam praticamente todos no país, o que facilita em termos de organização, estabilidade e identidade com a própria forma de jogar. Mesmo assim, e com todos estes handicaps, Portugal esteve numa meia-final do Campeonato da Europa em 2000, na meia-final do Mundial de 2006, na final do Europeu de 2004 e foi eliminado em 2010 pela selecção da Espanha e em 2008 pela selecção da Alemanha, que foi finalista... Portanto, Portugal não tem feito nada negativo, pelo contrário, em termos de resultados temos estado bem. Agora, faltam outras coisas que devemos procurar, para dotar o futebol português de melhores condições de treino para atingirmos ainda melhores resultados.