"Temos qualidade mas não visibilidade"


O SJPF nomeou Carla Couto Embaixadora do Futebol Feminino em Portugal. A iniciativa tem como objectivo promover e apoiar uma modalidade que está em crescimento no nosso País.

A escolha de Carla não podia ser mais consensual. A actual jogadora da Lazio, uma das muitas emigrantes que faz carreira por esse Mundo fora, tem uma vida dedicada ao futebol feminino e um conhecimento que lhe confere autoridade para ser uma voz viva e ouvida. O orgulho que sente e o amor interminável pela modalidade estão bem expressos na entrevista que se segue. Carla Couto não deixou nenhuma questão… fora-de-jogo!

A que nível está hoje o futebol feminino em Portugal?

Infelizmente, ainda num nível bastante diferente em relação a outros países. Temos vindo a trabalhar para um maior desenvolvimento e promoção do futebol feminino em Portugal, têm sido dados alguns passos nesse sentido, mas estamos ainda longe do que pretendemos. No meu caso pessoal, em Itália tenho tido contacto com uma realidade bem diferente e constato que Portugal está, de facto, ainda bastante longe dos patamares mais elevados. Neste momento, contudo, ganhámos mais uma batalha com a eleição da Mónica Jorge para a Federação. É mais um passo que damos, mais um degrau que subimos no sentido de projectar a modalidade. Apesar de tudo, entendo que estamos a criar condições para um maior desenvolvimento do futebol feminino.

O que falta, de facto, para esse salto qualitativo? Maior promoção? Mais investimento? Mais clubes?

Não menosprezando o trabalho que fazem e a qualidade das minhas colegas que actuam em Portugal, falta maior capacidade de investimento e melhores condições. É preciso apostar mais na promoção e na formação, por exemplo. Aqui na Lazio, para além da equipa A, temos escolas e o escalão Primavera, que também actua na série C… E isso é importantíssimo para que a modalidade cresça. Em Portugal, nenhum clube de referência tem futebol feminino, ao contrário do que que acontece aqui. Em Itália, as equipas de maior prestígio têm futebol feminino e essa é uma excelente propaganda para a modalidade!

Os chamados clubes grandes seriam fundamentais para o crescimento do futebol feminino em Portugal, é isso?

Não sei se seriam fundamentais, mas eram, com toda a certeza, muito importantes para impulsionar a modalidade. O futebol feminino seria muito mais mediático e haveria maior investimento e mais sponsors, porque, na realidade, não os temos... Todos juntos poderíamos ser uma ajuda preciosa para um maior incremento do futebol feminino. Foi, aliás, por essa razão que aceitei o desafio que me foi lançado pelo Sindicato dos Jogadores…

Vai ser embaixadora do futebol feminino em Portugal!

Foi com enorme orgulho que recebi o convite do presidente do Sindicato. Tenho 25 anos de carreira e quero dar o meu melhor para ajudar a dinamizar o futebol feminino em Portugal. É o reconhecimento de uma vida e de todo o trabalho e sacrifício que tenho feito. Estou imensamente feliz e muito grata pelo convite.

De que forma pode contribuir para dinamizar a modalidade?

Sei que tenho muita vontade e que farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar a dinamizar o futebol feminino. Não sei, ainda, exactamente de que modo, mas com este desafio que me foi lançado e com a eleição da Mónica Jorge para a FPF, muita coisa pode ser feita. Ter uma representante feminina na Direcção da Federação é algo inédito, histórico! E será importantíssimo, pois a presença da Mónica Jorge no executivo será uma mais-valia indiscutível. É uma pessoa com profundo conhecimento da realidade, tanto em Portugal como no estrangeiro. Vamos poder traçar novos objectivos num futuro próximo.

Este convite do Sindicato, aliado à eleição de Mónica Jorge, pode contribuir muito para esse incremento…

Sem dúvida! Pelo que falei com o presidente, fiquei com essa sensação. Trocámos algumas ideias e fiquei a saber qual o objectivo que tem. Vamos dar a conhecer mais o futebol feminino, de modo a que as pessoas possam ter outra visão da modalidade. O Sindicato dos Jogadores é uma entidade reconhecida por todos e é de louvar o empenho e este espírito dinâmico e empreendedor em prol do futebol feminino.

Será um impulso decisivo em sua opinião?

O caminho é bastante difícil, mas se nada for feito nunca será aberto por ninguém! E é isso que pretendemos! Vamos dar os primeiros passos para desbravar novos horizontes e acredito que todos juntos poderemos contribuir para uma maior promoção deste espectáculo. Pelo menos, temos um objectivo comum: abrir novos caminhos e dar outra visibilidade ao futebol feminino em Portugal! Hoje, para sermos profissionais temos de sair do País… Aqui, vivemos do futebol, aí não passaríamos de simples amadoras… Portugal tem grandes atletas e basta ver que, nos últimos três ou quatro anos, saíram cerca de 10 das 18 jogadoras que habitualmente fazem parte da Selecção Nacional… Temos qualidade mas não visibilidade! O Sindicato vai valorizar e dar a conhecer às pessoas o verdadeiro valor das atletas e eu, como embaixadora, sinto-me orgulhosa por estar neste projecto!

A Carla, além de embaixadora, prossegue uma carreira que, como disse, já vai em 25 anos… Que ambições ainda tem?

No imediato, desejava muito que a Selecção Nacional conseguisse este ano o apuramento para o Europeu; aqui na Lazio, continuarei a dar o meu melhor para dignificar o meu país e conseguirmos a melhor classificação possível. Depois, sinceramente, não sei ainda… Equaciono a hipótese de me retirar no fim da presente época, visto que regressar a Portugal para jogar, infelizmente, não me parece uma opção… Mas o bichinho está cá e gostaria imenso de completar, no próximo ano, 20 épocas ao serviço da Selecção Nacional! Sempre coloquei muitos objectivos a mim mesma e esse é mais um… Só assim foi possível evoluir e fazer esta carreira. Força e capacidade, sinto que tenho! Aliás, tenho sido sempre titular na Lazio! Quando chegar o momento, quero sair a bem e não de forma forçada.

E depois, Carla?

Gostaria de ficar ligada ao futebol feminino, obviamente. Como embaixadora, treinadora, não sei… Tenho o curso de 2º Nível, gostaria de fazer o de 3º Nível, mas não sei mesmo o que vou fazer depois… Sinto é alguma tristeza quando vejo que os ex-jogadores ficam ligados à modalidade e connosco isso não acontece… Não por falta de formação ou aptidões, mas porque não há esse espaço em Portugal. Mas os tempos mudam e pode ser que esta nova conjuntura nos permita começar a pensar e a trabalhar de outra forma…

Portugal tem, pelo menos, jogadoras com futuro assegurado?

Claro que sim, sem dúvida alguma! Há excepções, claro, mas tenho visto muita qualidade nas equipas, mesmo ao nível das sub-19. Mas era importante que houvesse mais qualidade e maior quantidade. Vamos procurar fazer com que o futebol feminino seja mais falado, que haja mais gente interessada e campo de prospecção. O futebol feminino é bem visto no estrangeiro. Temos jogadoras em Itália, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, Islândia… Há qualidade! O facto de termos passado a jogar, obrigatoriamente, em relvado ou sintético foi uma grande ajuda mas é preciso mais investimento e melhores condições para que mais jogadoras possam aparecer e crescer. Eu, pessoalmente, gostaria de abrir uma academia só de futebol feminino! É um sonho que tenho!

E condições para isso, haverá?

Volto a dizer que não é um caminho fácil, até porque ainda há quem olhe de forma fechada e retrógrada para algumas questões. Tem de haver uma revolução de mentalidades! Temos ganho algum espaço, mas ainda falta muita coisa… Quer um exemplo? Porque não são transmitidos todos os jogos da selecção feminina? Sem pôr em causa a Federação, que tem feito tudo o que está ao seu alcance, há ideias que são necessárias incrementar para dar maior visibilidade ao futebol feminino. Nós só falamos do que vemos… Aquilo que não se vê não se comenta, portanto, é fundamental divulgar mais a modalidade para não cairmos no esquecimento. Na vida também é assim…

Em resumo: com um novo enquadramento na FPF; com a aposta do Sindicato e a criação do cargo de embaixadora, podemos estar a abrir um novo espaço de afirmação da modalidade. Concorda?

Tenho muita esperança de que, com esta nova conjuntura, algo possa vir a mudar. Pessoalmente, vou trabalhar no sentido de promover, de dar a conhecer e de dimensionar o futebol feminino em Portugal. Essa é uma promessa que gostaria de deixar aqui. Temos de valorizar cada vez mais a modalidade e darmos a conhecer os valores que temos!

 

CAIXA

Currículo recheado

 

Carla Sofia Basílio Couto, nascida em Abril de 1974, tem um currículo invejável. Jogadora federada desde 1990, tem 138 internacionalizações pela Selecção Nacional A de Portugal. Representa actualmente a Lazio (Itália), mas passou por muitos outros clubes. Vejamos:

Sporting (1990 a 1992); Trajouce (1992/93); 1º Dezembro (de 1993 a 1997; 1998 a 2002; 2003 a 2011); Futebol Benfica (1997/98); Fhosan Guandzon, China (2002); Lazio, Itália (2011/12). Em 2003, chegou a fazer a pré-época no Arsenal (Inglaterra).

Carla Couto tem, contudo, um outro percurso igualmente interessante. Como treinadora, abraçou vários projectos ao longo dos anos. A saber:

De Setembro de 2001 até 2003 – Escolas de Futebol do 1º Dezembro;

De Dezembro de 2001 até 2004 – Escola de Desporto Paulo Sousa;

De 2001 até 2003 – Escola de Formação Hugo Leal;

Época 2003/04 – Equipa sénior feminino da Instituição CEBI;

Época 2004/05 – Equipa júnior feminino do Olivais e Moscavide;

Época 2004/05 – Equipa sénior feminino do AMSAC.

E quanto a títulos? Vários… Como jogadora conquistou 10 campeonatos nacionais de futebol 11 e cinco Taças de Portugal. Como treinadora, foi campeã distrital de juniores pelo Olivais e Moscavide.