“Os jogadores estavam motivados para alterar a sua relação laboral”


Manuel Pedro Gomes, 70 anos, alcançou a glória no Sporting e na Selecção Nacional e contribuiu de forma decisiva para a criação do SJPF.

Como é que surgiu a ideia de fundar o Sindicato dos Jogadores?

A situação contratual entre os jogadores e clubes começava e ser insuportável. A sequência dos casos (da impossibilidade por proibição das transferências de Eusébio, Simões e Peres) despoletou a necessidade de os jogadores procurarem uma solução que defendesse os seus legítimos direitos.

Foi difícil avançar? Os jogadores estavam motivados para criar um sindicato?

As dificuldades eram mais que muitas. Vivíamos em ditadura, o futebol desse tempo, tal como hoje, era e é um excelente meio de propaganda para os governantes e um anestésico social para as situações políticas. E as vitórias europeias do Benfica (duas Taças dos Clubes Campeões Europeus) e a do Sporting (Taça das Taças), tal como os feitos das selecções – título europeu de juniores em 1962, terceiro lugar no Europeu de Inglaterra de 1966 –, valorizaram o futebol português. Mas os benefícios dos jogadores continuaram prisioneiros da “Lei da Opção”, opção só para os clubes! Quanto aos jogadores, eles estavam motivados para alterar a sua relação laboral com os clubes e progressivamente integraram-se na luta pelos direitos!

Houve problemas de liderança (do género ninguém querer chegar à frente)?

Não houve qualquer problema de liderança. Aliás, a comissão instaladora votou democraticamente na distribuição dos corpos gerentes. Aproveitando “a pergunta chegar à frente”, ela foi mais voltar para trás. Porque da votação saiu um presidente, o qual desde logo acedeu a passar a secretário, porque estava em jogo a imagem, e a divulgação política do Sindicato. E foi nomeado o Artur Jorge!

Integrou a primeira comissão directiva do SJPF. Desde então pensa que o Sindicato caminhou no sentido que esperava?

O Sindicato depois do arranque inicial (já lá vão 40 anos), naturalmente evoluiu, e conquistou todos os direitos inerentes aos profissionais de futebol. Estruturou-se profissionalmente como não poderia deixar de ser. Hoje é um dos Sindicato mais cotados no mundo do Futebol, como se comprovou com a eleição recente do presidente Joaquim Evangelista para o board da FIFPro.

Considera que falta sentido de classe aos futebolistas profissionais em Portugal?

O exemplo dado na época passada pelos jogadores espanhóis: Casillas, Puyol e Xabi Alonso ao aliarem-se à greve, mesmo sem estarem afectados, pois tinham os salários em dia, é uma demonstração de solidariedade e sentido de classe. Mais num campeonato, como o espanhol, onde os profissionais são pagos a peso de ouro. Só os jogadores mencionados foram a excepção, ao saírem em defesa dos colegas aos quais os clubes deviam 50 milhões de euros. E os outros os milionários? Fico feliz por saber por todos os jogadores da selecção portuguesa são sindicalizados. Mas por muito esforço que os dirigentes sindicais façam, e fazem, penso que é difícil existir coesão sindical numa profissão onde existe uma dicotomia salarial de ricos e pobres. Portugal está sujeito a que aconteça o mesmo que sucedeu em Espanha, dado que 80 por cento dos clubes têm os ordenados em atraso?

Profissionalmente, o que é que está a fazer neste momento?

Infelizmente, tal como milhares de portugueses, estou desempregado!

Depois de ter feito toda a carreira como jogador no Sporting esperava estar a trabalhar no clube?

O ter feito a carreira num clube, não dá direito a ter a garantia de um emprego. Existem centenas de ex-jogadores que passaram pelo clube e este não pode dar trabalho a todos. O que deve é escolher aqueles que podem ser os mais úteis para as funções. A opção de escolha? Desconheço.

Ao contrário do que sucedia quando era jogador, hoje a maioria dos jogadores da I Liga é de nacionalidade estrangeira. Fica chocado com este cenário?

Não. Este fenómeno é global, passa-se o mesmo na maioria dos países.  

Quais as razões para esta realidade?

São várias! Hoje o futebol é um negócio mercantil, onde existem vários agentes intermediários que ganham fortunas nas transferências de jogadores. Aliás como já escrevi, as empresas, leia-se clubes, estão falidos, enquanto os funcionários (jogadores, treinadores, directores remunerados das SAD e intermediários estão ricos. A apatia das federações dos vários países, que nada fazem, perante a descaracterização do futebol dos seus países. Existem clubes por esse mundo fora que não apresentam um jogador nacional nas suas equipas. Quando se afirma que nada se faz para defender os jogadores portugueses, de quem é a culpa? Dos responsáveis do desporto e do futebol português! É urgente que em concertação desportiva que o SJPF, que considero uma entidade superactiva na defesa dos jogadores e do futebol português, como interlocutor, proponha às várias entidades SEDJ, FPF, LPFP, CND, IDP, dois projectos a apresentar à UEFA e à FIFA. Primeiro: que nos campeonatos de cada país seja proibido que constem na ficha de jogo mais de quatro jogadores estrangeiros. Segundo: Para preservar os jogadores no seio dos clubes que os formaram. É fundamental que as entidades acima referidas aumentem o período de contrato entre o clube formador e os jogadores formados nas academias.

Por outro lado há cada vez mais ex-jogadores em cargos dirigentes. Uma evolução natural?

É uma sequência da experiência, e da vivência de um curso prático, adquirido na universidade do futebol. Todo esse assimilar de comportamentos e de atitudes transmite a alguns, ex-jogadores (os mais inteligentes), uma cultura assimilada e perceptiva que lhes permite uma franca e aberta relação com os jogadores.

Revê-se nalgum jogador da actualidade?

As comparações pecam sempre, ou por excesso ou por defeito. Gosto de ver actuar um jogador que tenha uma entrega total ao jogo, que dê tudo o que tem para dar e se nesse tudo estiver incluído a inteligência, a técnica de execução, a sagacidade táctica e o fair-play, tanto melhor. 

Concorda com o alargamento de clubes nas ligas profissionais?

Este é o reflexo da forma irreflectida com que alguns “dirigentes” tentam valorizar-se, desvalorizando o futebol português. O que seria benéfico era reduzir as ligas para 12 clubes, com campeonatos a quatro voltas, ou pelo menos a três, com um play-off a duas mãos, entre os quatro primeiros classificados. Desta forma criar-se-iam maiores receitas – mais jogos entre os grandes – e as ligas seriam muito mais competitivas.

No seu livro Linha de Cabeceira, nos 11 contos que o constituem, aborda diversos temas como o doping, o sexo ou a corrupção. Porquê esta escolha? Pela polémica que envolvem ou por aviso para o universo do futebol?

Este meu livro retrata comportamentos, vícios e virtudes ligados ao mundo do futebol. São contos de ficção que abordam a vivência e retratam a realidade da sociedade contemporânea. O meu colega Francisco Andrade, que apresentou o livro em Coimbra, disse que este livro é profilático, didáctico e pedagógico. E é na sua opinião um livro imprescindível, quer para jogadores como para treinadores. Por isso mesmo recomendava a compra aos sindicatos para os distribuir pelos seus associados.

No primeiro capítulo fala do futebol feminino. O SJPF está agora a apoiar esta vertente mais intensamente. Acha que há espaço para a modalidade evoluir em Portugal?

Hoje felizmente existem mais mulheres com cursos superiores do que homens. As mulheres igualam e até superam os homens na maioria das várias actividades profissionais. Cada vez mais, se vêm mais raparigas interessadas na prática de futebol. Com uma adequada estrutura de quadros competitivos nos escalões de formação. A evolução do futebol feminino será num futuro breve, uma certeza!  

Escreve ainda que os jogadores são ídolos de pés de barro. Passou por isso enquanto jogador?

Claro que passei, sobretudo quando parti a perna estive quase um ano sem jogar. Quem não aparece esquece. Mas, foi um esquecimento temporal, porque dada a minha perseverança, recuperei o lugar no clube e na selecção.

Fala também da difícil relação com os dirigentes. Sentiu-as na pele como jogador e ou como treinador?

Sim. Na pele, na acepção da palavra, porque de facto nunca algum dirigente conseguiu ultrapassar os meus direitos.

O capítulo dedicado ao doping é um claro aviso aos jogadores? E também aos dirigentes?

O conto do Doping, o do Subconsciente e o da Corrupção, são apenas temas fictícios. Mas sabendo, como se sabe, que a ficção muitas das vezes se confunde com a realidade. A pergunta tem razão de ser. 

Tinha alguma superstição como jogador? E como treinador?

Sim, como jogador entrava em campo sempre com o pé direito. Como treinador, se ganhasse, usava a mesma roupa no jogo seguinte.  

Continua apaixonado pelo futebol?

O futebol é a minha vida, é a minha grande paixão. Vou responder com um poema. 

            Paixão

se não fosse esta paixão

que começou em criança

este jeito para o futebol     

jogado a passes de dança     

de manhã ao pôr do sol

em estádios de esperança   

gosto que vem de pequenino

dos meus tempos de escola 

profecia de um menino     

que ao correr atrás da bola 

encontrou o seu destino

no vicio da bola trapeira                                                                                                                                                                                                                                                                       

doença vírus incubado

minha fiel companheira  

futuro sina rumo fado

princípio duma carreira

 

se não fosse esta paixão

que fez de mim jogador

um leão de juba especial

abnegado brioso lutador

defendi o S. C. Portugal

com dedicação e amor

nesta grande instituição

autêntica universidade

recebi óptima formação

refinei a personalidade

desportiva e de cidadão

aprendi que a dignidade

faz um homem campeão

ganhei três campeonatos

e três taças de Portugal   

o melhor destes actos

foi a conquista especial

taça das taças uma glória

único título internacional

que ficará para a história

estas saudades consomem

mas minha grande vitória

foi de ali me fazer homem

 

se não fosse esta paixão 

de no futebol continuar

desejo de ser treinador

na procura de valorizar

a prática e dar-lhe valor  

mergulhá-la na ciência

estudando intensamente

porque só a experiência

essencial mas insuficiente

precisa de apoio cultural

estudo e investigação

sabedoria fundamental

para tão difícil função

estagiar no estrangeiro

Espanha Inglaterra Suécia

aprendiz de feiticeiro

na Alemanha e na Grécia

ir aos grandes eventos

da Europa e do Mundo

colhendo novos elementos

para um estudo profundo

tentar sempre estar em dia

seguindo com interesse

toda a nova bibliografia

absorvendo livros de tese

hoje sei mais que ontem  

quero saber mais amanhã

 

se não fosse esta paixão

deste desporto aliciante

este jogo lindo esquisito

de prazer tão excitante                                           

que em cada lance bonito                                                  

eu vivo mais um instante

este sol este esplendor

palco de comédia e agonia

momentos de riso e dor

de tristeza e de alegria  

 

se não fosse esta paixão

meu  futebol meu poema

musa do meu universo

sensibilidade estrema   

inspirado em cada verso

isto de treina(r) (a) dor

dói mais que a poesia

este anestesiar da dolor    

transformá-la em alegria

é a missão do treinador

manter no seu imaginário

a fé o sonho e a ilusão

perspectivando o cenário

de voltar a ser campeão

pensamento positivo

fascinante pura magia

nasço morro e revivo

na procura da utopia

como rio cuja nascente

que bebeu de muita fonte

nada pára esta corrente

nem distância ou horizonte 

limita esta felicidade

nem a angústia de esperar

por uma oportunidade

me impede de desaguar

neste amor de perdição

se não fosse esta paixão …