“Foi a primeira vez que uma selecção nacional fez greve”


O mandato de José Eduardo como presidente do SJPF ficou marcado pelo caso Saltillo, em pleno Mundial de 1986, no México, que acentuou o braço-de-ferro entre os jogadores e a FPF.

O que recorda do seu mandato enquanto presidente do Sindicato dos Jogadores?
Os tempos eram complicados, passámos por muitas dificuldades. Havia duas pessoas decisivas, o João Arouca e o Dr. Luís Paulo Relógio... andávamos sempre à míngua de receitas, não havia a estrutura que há agora, portanto andávamos sempre com o credo na boca. A sede ainda era na 5 de Outubro... lembro-me que tínhamos uma posição ou presença forte na imprensa, sempre importante para a pressão que pretendíamos exercer.

Em 1986, por ocasião do Mundial do México, rebenta o caso Saltillo.
Sim, é durante o meu mandato e acabou por ser um marco histórico devido ao impacto que teve em tudo aquilo que devia ser o profissionalismo da Selecção Nacional. Antes tínhamos um grupo de grandes jogadores liderados por dirigentes amadores... lembro que em Saltillo os jogadores se equipavam em balneários públicos, entre outras situações no mínimo caricatas.

A imagem dos jogadores junto da sociedade levava a que as suas reivindicações não fossem valorizadas. Concorda?
Há um grande braço-de-ferro entre o Sindicato e a Federação Portuguesa de Futebol. Houve quem tentasse fazer um aproveitamento político do caso, os jogadores foram muito criticados pelas suas posições, mas antes de Saltillo já tínhamos tomado uma decisão estratégica importante que nos deu vantagem e viria a ser decisiva para a nossa independência: já nos tínhamos desvinculado da CGTP.

O caso chegou à Assembleia da República e os jogadores também tiveram oportunidade de mostrar ao que iam.
Houve quem quisesse fazer de Saltillo uma rebelião de esquerda, mas nós já éramos independentes. Fui à Assembleia da República e disse que não havia direito de se dizer o que se dizia. Como sabe, o problema era essencialmente financeiro e de reconhecimento dos direitos dos jogadores. Tivemos a sorte de  ter o processo conduzido pelo Dr. Jaime Cortesão, que teve uma postura sempre muito isenta e nos deus os parabéns pela forma como conduzimos a nossa luta. O processo só revelou todo o amadorismo que existia na selecção, porque estamos a falar de uma equipa que já tinha grandes jogadores, mesmo a nível internacional, mas não tinham dirigentes nem condições de trabalho à altura.

No final, qual foi o balanço que retirou?
A imprensa internacional montou base aqui, jornais de vários países enviaram correspondentes. Lembro que foi a primeira vez que uma selecção nacional fez greve. Portugal chegou a fazer dois jogos como uma espécie de selecção B. O caso acabou por resultar na demissão do presidente da Federação, Silva Resende. Tínhamos assinado tréguas, chegámos a um entendimento, mas aquela demissão veio a confirmar-se. Foi uma vitória estrondosa.

O seu mandato também fica marcado pela adesão à FIFPro.
Sim. Tínhamos o objectivo de consumar a adesão e convidámos a FIFPro para fizessem uma reunião/congresso em Portugal. Foi no seguimento desse congresso que oficializámos a adesão.

Foi um passo decisivo?
A internacionalização ajudou-nos muito, começámos a ter mais contacto com outras realidades. Na altura criámos muitos dos fundamentos para objectivos que vieram a concretizar-se mais tarde. Depois, com a profissionalização e o talento e o mérito dos diferentes presidente que o Sindicato teve até hoje, realizou-se todo este percurso que conhecemos.