“Os jogadores eram chamados de gandulos porque apenas sabiam jogar futebol”


Artur Jorge saiu da presidência do Sindicato e Agostinho Oliveira continuou a luta dos jogadores.

O que lembra da sua passagem no Sindicato dos Jogadores?
Naquela altura os tempos não eram fáceis, muito menos se estivermos a falar de questões sindicais. Eu vinha a ser uma espécie de braço direito do Artur Jorge, estávamos muito envolvidos no Sindicato dos Jogadores e naqueles anos a nossa luta focava-se muito no problema da Lei de Opção. Queríamos libertar os  jogadores dessa lei. Eu dei continuidade ao trabalho que vinha a ser realizado com o Artur Jorge, depois focado também noutras questões, como os descontos para a Segurança Social (porque a profissão dos jogadores tem muitas especificidades que não eram tidas em conta). Lembro-me que na altura não era fácil alcançar entendimentos políticos, nem sequer com a FPF – as relações institucionais não eram nada fáceis

Foi nessa altura que se discutiu muito, também, a questão das receitas do Totobola?
É verdade, as receitas do Totobola! Queríamos parte dessas receitas para que depois nos fosse possível ajudar os jogadores em dificuldades. Havia situações degradantes, portanto era importante para nós garantir a existência de um fundo de maneio através das receitas do Totobola. Mas lá está, lembro-me que as reuniões e os entendimentos eram muito difíceis... 

Fala em situação degradantes. A que ponto?
Eram situações que nasciam um pouco pelas mesmas razões que hoje em dia. Muitas vezes, no fundo, os jogadores estavam como desempregados, porque passavam meses sem receber. Depois, no final do ano lá apareciam os dirigentes a acenar com uma verba qualquer, que eles eram abrigados a aceitar, esquecendo tudo o que estava em atraso.

As reivindicações dos jogadores eram bem atendidas pela sociedade em geral?
A Revolução trouxe outra abertura, trouxe discussão de novas ideias para a sociedade em geral, mas por outro lado nós também sofremos. Mas tínhamos o problema da ligação à CGTP Intersindical, o que depois nos dificultou a nossa vida. Aquele período pós-revolução tanto trouxe afirmação como, ao mesmo tempo, problemas com isso mesmo.

Também mostraram insatisfação quando a alguns métodos de treino e regras nos estágios?
Sim, em alguns casos o tempo de presença nos treinos e nos estágios era abusado ou mal aplicado. Os estágios eram muito longos... mas essas reivindicações eram mais querelas no sentido de afirmarmos a nossa posição. De qualquer forma, em algumas situações os treinadores demonstravam uma tremenda falta de conhecimento em relação ao treino – e os jogadores eram obrigados a lá estar, muitas vezes para nada.

De onde vinham exemplos para a vossa luta?
Lembro-me de estar presente em algumas reuniões internacionais da FIFPro, onde nos deslocávamos com o nosso advogado e conhecíamos o que se fazia em organizações semelhantes, especialmente às nórdicas, anglo-saxónicas ou a italiana.

Que balança faz da evolução do Sindicato?
No início do Sindicato dos Jogadores, mais do que qualquer reivindicação específica, o que estava em causa em termos globais era a afirmação do profissional de futebol, enquanto portador de uma profissão digna. Na altura os futebolistas eram conotados com uma certa ideia de marginalidade, eram os chamados “gandulos”, aqueles que não respeitavam as regras e apenas sabiam jogar futebol. Creio que conseguimos reclamar alguma dignidade para a profissão, que é hoje é vista de forma diferente, embora se prossigam algumas lutas com origem em problemas semelhantes aos dos anos 70.