"Já bati no fundo e levantei-me. Não é isto que me vai deitar abaixo"


De capitão do Boavista ao desemprego em três meses. Henrique procura novo desafio profissional. 
 

Era o único português num plantel formado por jogadores de 16 nacionalidades. Antes de rumar ao Chipre, tinha em cima da mesa propostas de Hong Kong e da Índia. O futuro não passaria por aí, até porque o Pafos FC garantia dois bons anos para Henrique e para a sua família. Mas tudo mudou ao fim de dois meses. Recebeu uma carta a informar da rescisão unilateral. Justificação? “O treinador não gosta de ti”.

Começamos pelo fim: o que aconteceu no Chipre?
Tinha quase tudo para fechar com um clube em Hong Kong e também tinha uma proposta da Índia, mas até estava mais inclinado para ir para Hong Kong. Entretanto, recebi a proposta do Chipre, com um contrato melhor, e decidi aceitar até porque a componente familiar pesou muito. No dia 18 viajo para Riga, na Letónia, para integrar o estágio do Pafos e assinar com o clube. Apesar de ter chegado com alguns dias de atraso a pré-epoca estava a correr muito bem. Foi no regresso ao Chipre que as coisas começaram a ficar um pouco estranhas. No jogos treino o treinador começou a colocar-me de parte, mas continuei a fazer o meu trabalho de forma a ser opção.

Não consegues encontrar uma justificação para tal decisão?
Não, foi tudo muito estranho. Ainda não sei se foi apenas opção do treinador ou se houve alguma pressão da direção. Desde o staff aos jogadores todos gostavam de mim e até diziam: 'Tem calma. Tu vais jogar porque és um dos melhores centrais da equipa'. Quando começaram os jogos oficiais, começaram os problemas.

Como assim?
No dia 31 de agosto, a direção chamou-me ao gabinete e do nada disseram-me que o treinador não gostava muito de mim e que me davam três meses de salário para eu abandonar o clube, isto no último dia de mercado de transferências. Não aceitei, claro.

Reunião que acabou por ser decisiva para o teu futuro…
Eu disse que não aceitava pois não compensava a nível financeiro nem a nível profissional. Eu até já tinha viagem marcada para a minha família vir para o Chipre. Depois de eu ter marcado posição disseram: 'Pronto, vamos inscrever-te'. No dia a seguir recebi uma mensagem do diretor desportivo a dizer que houve um problema com a minha inscrição, mas que na próxima semana o clube ia tratar disso. Até acho que as coisas estavam encaminhadas para eu ser inscrito, mas na semana seguinte aconteceu um episódio que mudou tudo.

Ao serviço do Pafos FC, Henrique não participou em jogos oficiais

Abdicaram de ti para poderem usar essa vaga para inscrever outro jogador, foi isso?

Exato. O nosso extremo esquerdo chateou-se com o treinador e rescindiu contrato mas, uma vez que já tinha sido inscrito, o clube não podia anular a inscrição dele. O Pafos acabou por contratar outro jogador para aquela posição. Voltei a reunir com a direção e eles disseram isto: ‘Estás com sorte e sem sorte. Encontramos uma negligência no teu contrato. Tentámos inscrever-te, mas não conseguimos. Vamos dar-te um contrato novo, mas só de seis meses. A situação está diferente e em janeiro logo vemos se continuamos contigo'. Após a paragem para as seleções, recebo uma mensagem do diretor geral a dizer que queria reunir comigo e foi também aí que contactei com o Sindicato dos Jogadores para saber o que fazer. Quando fui para o treino o diretor desportivo disse que eu não podia treinar e foi nesse dia à tarde que recebi a carta a informar da rescisão unilateral.

Porquê o Chipre e não Hong Kong ou Índia?
Pesou o aspeto familiar até porque tenho uma filha com quatro meses. Enquanto país, o Chipre oferecia melhores condições. Também é certo que, numa perspetiva de futuro, Hong Kong podia abrir portas para o mercado asiático. Não correu bem no Chipre, infelizmente.

Alguma vez pensaste estar nesta situação?
Sinceramente, não. Eu acho que tinha mais do que condições suficientes para jogar no Pafos. Nunca pensei estar desempregado num momento em que estou bem de saúde e pronto para jogar.

Um dos problemas foi não te teres informado sobre o clube antes de viajares para o Chipre?
Eu sabia dos riscos que podia correr no Chipre. Informei-me com pessoas que já estiveram lá e disseram-me que tinha entrado um investidor russo no Pafos, que já tinha sido dono do Riga, e que é um clube que paga tudo direito. O presidente garantiu ao meu empresário que a nível financeiro não iria faltar nada e que o objetivo é levar o Pafos às competições europeias. Sabia que aquele clube não é como alguns do Chipre que prometem uma coisa e que depois fazem outra.

O que aprendeste com toda esta situação?
Percebi que a nível mental sou mais forte do que pensava. Levei-me ao limite e consegui superar isso. Sinto-me bem e vejo-me privado de fazer aquilo que mais gosto. Isso deixa-me triste, sim. É frustrante assinares contrato com uma equipa e depois dares por ti a regressar a Portugal. Estou com o orgulho muito ferido. Mesmo que eles me paguem os dois anos de contrato não há preço que resolva aquilo que estou a passar. Quer queiram quer não há sempre uma revolta interior e quem está à nossa beira é quem mais sofre. Sei que às vezes sou um pouco insuportável, mas tenho a sorte de ter uma mulher que me atura todos os dias.

Tens contado com o apoio da família, amigos, mas também do Sindicato dos Jogadores. Todos são fundamentais?
Recebi muitos telefonemas e mensagens de amigos a darem-me força. O Sindicato tem sido muito importante nesta fase. Neste momento estou sem ordenado e sem clube. Isso mexe muito, sobretudo, com o aspeto familiar.

Henrique (nº 5) rumou ao Blackburn Rovers em 2012

Já tinhas jogado no Jagiellonia Bialystok
, da Polónia, e também em Inglaterra, ao serviço do Blacburn Rovers. Como foram estas experiências?
Em Inglaterra não correu bem. Apesar de ter sido enriquecedora foi a minha primeira experiência no estrangeiro e vi outra realidade completamente diferente da portuguesa. A nível desportivo não foi muito bom, mas aprendi muita coisa. Na Polónia, tudo aconteceu durante um período de transição. Estive três meses parado devido a uma lombalgia e fui para lá fazer parte dessa recuperação, mas deu para conhecer outras formas de jogar futebol.

O que tens feito durante este período em que estás parado?
Vou começar a treinar com o Lourosa (Campeonato de Portugal) para poder manter a forma. Falei com algumas pessoas do clube e como é perto de minha casa vou aproveitar para ganhar ritmo.

O teu pensamento passa apenas por voltar a competir?
Quero voltar a competir. É o mais importante, seja na primeira ou na segunda liga.   Quero reduzir o tempo de paragem para não perder os dois meses de trabalho que fiz. Sinto-me muito bem fisicamente e sei que se parar de competir durante muito tempo que isso vai custar quando regressar à alta competição. Toda a gente sabe da minha qualidade, mas agora falta saber se as equipas precisam ou se gostam de mim enquanto jogador.

Voltar a competir em Portugal ou o estrangeiro continua a ser opção?
Portugal está na primeira linha, claro. Este episódio no Chipre vai pesar na decisão de voltar ou não a abraçar um desafio no estrangeiro.

Além de outros emblemas, passaste pelo Boavista e pelo Feirense. Achas que serias uma boa opção para qualquer um deles?
Neste momento, no Boavista, poderia ser muito importante, uma vez que conheço o treinador. No Feirense acho que não sou necessário. Têm lá bons centrais.

Atleta português foi capitão do Boavista durante três temporadas

Quais são os pontos fortes do Henrique?

Sempre valorizei muito a minha profissão. Por todos os clubes por onde passei ninguém diz que sou mau profissional, bem pelo contrário. Encaro a minha profissão de uma forma muito séria. Sou um bom companheiro e sempre respeitei as opções dos treinadores e das direções com quem trabalhei.

Isso quer dizer que vamos voltar a ver o Henrique a competir ao mais alto nível…
Não tenho a menor dúvida. Sempre fui um guerreiro e sempre ultrapassei as dificuldades. Já bati no fundo, já me levantei e não é isto que me vai deitar abaixo.

Que conselho dás aos jogadores portugueses que pensam em emigrar?
É preciso ter sorte também. Têm que tentar saber coisas sobre o clube, junto de jogadores que por lá passaram, nomeadamente no que tem que ver com a seriedade dos representantes do clube.