“O árbitro está no campo para ajudar os jogadores”


Jorge Sousa é considerado um dos melhores árbitros portugueses. Diz que arbitragem lusa está a passar por uma boa fase e que os jogadores não podem ver o juiz como um inimigo.

Qual é o estado da arbitragem em Portugal?
A arbitragem está a passar uma fase muito boa por força do que tem acontecido nos últimos tempos. Fomos confrontados com uma série de boas notícias e a vários níveis que culminaram com a presença no Campeonato da Europa e nas finais da Liga dos Campeões e do Campeonato da Europa, o que é uma demonstração clara e inequívoca do valor da arbitragem portuguesa. Porém, nós sabemos que a nível interno vivemos muito do penálti que é ou não assinalado, da clubite acima de tudo. Mas é um facto que a arbitragem está viva, a trabalhar no caminho certo e as prestações que temos tido além-fronteiras são a prova evidente do que estou a dizer.    

 

Foi benéfica a passagem da arbitragem da Liga para a FPF?
Ainda estamos numa fase muito embrionária. Antes estávamos de uma forma que não era normal porque nas associações internacionais a arbitragem está num só pólo e em Portugal estávamos divididos. No fundo, em termos legais, as coisas ficaram agora no seu devido lugar. Agora, em termos de estrutura, a mudança da Liga para a FPF, só o tempo o dirá se as coisas estão melhores ou piores.

 

Que medidas devem ser implementadas para melhorar o sector?
Nós árbitros de primeira categoria, apesar de estarmos numa estrutura totalmente profissional e sendo um interveniente importante no jogo, somos os únicos amadores. Enquanto não forem dadas aos árbitros todas as condições para puderem potenciar o seu trabalho, não lhes podem exigir rendimentos de excelência, de profissionais, quando não o são. Esta é a mais pura verdade. Nós já nos dedicamos à arbitragem como verdadeiros profissionais mas num regime absolutamente amador. Não faz sentido que o árbitro vá treinar às 19h30, depois de passar oito horas de trabalho, e chegue a casa às 22h30 para jantar. O que eu faria era dar aos árbitros verdadeiras condições para que possam desenvolver da melhor forma possível a sua actividade. Isto passa claramente pela profissionalização. 

 

A profissionalização é o grande desafio da arbitragem?
A arbitragem profissional é apenas um aspecto do todo da arbitragem. Em Portugal existe um universo de três mil e tal árbitros e quando falamos da arbitragem profissional falamos de um quadro residual de 25 árbitros. A arbitragem tem que ser pensada em toda a sua estrutura e não apenas na questão da profissionalização. Tudo começa na formação. É preciso trazer jovens para a arbitragem, dar-lhes condições, motivá-las, mostrar que a arbitragem pode ser uma carreira interessante. A profissionalização é importante mas mais importante é trazer pessoas para a arbitragem. Estamos muito longe do número ideal de árbitros em Portugal. Actualmente não há árbitros suficientes. Isto é preocupante. Eu se fosse dirigente estaria bastante preocupado com este cenário.

 

Pode dizer-se que, neste momento, ser árbitro não é uma actividade apelativa para os jovens?
Sim, não é apelativa. Por exemplo, um jovem que esteja a estudar, que tenha uma bolsa de estudo e que venha para a arbitragem, automaticamente perde essa bolsa porque vai ter rendimentos, que não são nada de outro mundo, antes pelo contrário, e a arbitragem vai até dar-lhe prejuízo para a sua vida profissional. Logo, está longe de ser apelativa. É preciso criar condições para que os jovens percebam que numa fase inicial pode não ser o melhor para eles – o começo é sempre difícil – mas que no futuro pode ser uma carreira interessante.    

 

E como avalia o estado do futebol português?
O futebol português passa pelas dificuldades que passa o futebol mundial. Estamos em tempos de grande contenção financeira e acima de tudo é preciso capacidade de gestão. 

 

Como é que deve ser uma relação árbitro/jogador?
É uma resposta algo subjectiva. Aquilo que eu possa preconizar pode não ser para outros árbitros. Eu tento sempre mostrar aos jogadores que o adversário é a outra equipa e não a equipa de arbitragem. Nós, árbitros, estamos no terreno de jogo para ajudarmos naquilo que podemos o jogo e os jogadores. Acima de tudo salvaguardar a sua integridade física e  fazer com que o encontro decorra dentro das leis e das regras. Depois, tentar um relacionamento árbitro/jogador o mais cordial possível e passar a mensagem de que o árbitro é alguém que está lá para os ajudar. Muitas vezes a ideia é que, para além da equipa adversária, o árbitro também é um adversário. É uma ideia um bocadinho enraizada na nossa cultura latina em que nos preocupamos demasiado com os árbitros. 

 

Tendo em conta a sua experiência, nota se ao longo dos anos os jogadores têm mudado o seu comportamento para com os árbitros?
Sim. Essa a grande diferença que existe nos jogos em Portugal nos últimos anos. Não tenho dúvidas de que hoje o relacionamento árbitro/jogador é muito melhor do que era no passado.   

 

Seria positivo que os clubes tivessem na sua estrutura ex-árbitros para auxiliarem jogadores, técnicos e dirigentes?
Quanto mais e melhor uma estrutura perceba e compreenda todas as outras que fazem parte da profissão e do negócio, que neste caso é o futebol, melhor estará preparada para fazer face aos seus desafios. Seria interessante haver essa proximidade entre jogadores e árbitros para que todos percebam quais as dificuldades, desafios e exigências que existem de parte a parte.


B.I:
Nome: Jorge Sousa

Idade: 37 anos

Associação: Porto

Profissão: Empresário