“Tenho ambição. Quero ir mais longe”


Bracali chegou a Portugal em 2006. Saltou do Nacional para o FC Porto e esta época está no Olhanense. Conheça a visão de um jogador estrangeiro sobre a classe e o futebol português.

Como é que surgiu o seu gosto pela baliza?
Eu sempre joguei futebol sem ser à baliza. Jogava a trinco e a pivot no futsal. O meu pai foi guarda-redes até aos 38 anos e sempre me disse para não jogar à baliza. Na minha adolescência joguei em alguns clubes amadores e no Paulista, o clube onde comecei como guarda-redes. Mas não foi fácil. Chumbei nos treinos de captação do Paulista como jogador de campo e continuei a jogar futsal e nos clubes amadores e quando estava a terminar o 12.º ano e o meu pai perguntou-me: ‘queres jogar futebol ou continuar os estudos?’. Eu disse que queria jogar futebol e ele perguntou-me se eu queria ser guarda-redes porque ele era o treinador de guarda-redes da equipa sénior do Paulista. Treinei com o meu pai durante três meses e comecei a gostar do lugar. Então fui fazer testes ao Paulista como guarda-redes e fiquei. Tinha 16 anos. Lá encontrei o Artur [actual guarda-redes do Benfica]. Fiquei no Paulista até aos 24 anos.   

E como foi o seu percurso?
Em 2005, ganhei a Copa do Brasil pelo Paulista e fui emprestado ao Juventude que estava a disputar Brasileirão. Após este empréstimo regressei ao Paulista, que jogava a Taça dos Libertadores, e seis meses depois, após o Mundial de 2006, vim para o Nacional da Madeira.   

O que o levou a sair do Brasil e a optar por Portugal?
O meu contrato com o Paulista estava a acabar e eu não queria renovar. Estava a atravessar uma boa fase e apareceu o Nacional com uma proposta de um contrato de cinco anos. Na altura, no Brasil, os contratos eram de um ou dois anos. Quando se fazia um contrato mais longo e o jogador passava a jogar pior, o clube deixava de pagar e era uma confusão. Tínhamos de rescindir ou ficávamos a treinar à parte. O jogador não era tão protegido como por exemplo o sindicato português protege os seus jogadores em Portugal. Então fiz um balanço da minha carreira. Cinco anos de contrato, na Europa, em Portugal, uma selecção semifinalista do Mundial de 2006, Scolari como seleccionador nacional, o Nacional ia jogar as eliminatórias da Taça UEFA... tudo isso fez com que eu aceitasse a proposta do Nacional. 

Conhecia alguma coisa do Nacional da Madeira?
Muito pouco. No Brasil não passava o campeonato português e como se costuma dizer o que não é visto não é lembrado. Na verdade fui para o Nacional pelo meu instinto. De que ali poderia haver uma progressão. Mas na verdade só tive a noção de qual era a realidade do Nacional e do futebol português quando cá cheguei. E aí constatei que não era exactamente aquilo que eu imaginava. 

Como assim?
O Brasil tem muitos clubes mas é muito mais equilibrado. Quando cheguei a Portugal vi que não ia jogar por um campeonato, que era quase proibido dizer que tínhamos hipóteses de ser campeões, que era visto como uma espécie de anedota ou piada. A própria cultura é diferente, empatar com o FC Porto já era espectacular. No Brasil é diferente. Mesmo num clube pequeno queremos sempre ganhar, não interessa o adversário. Vi que em Portugal a cultura era outra. Havia ainda uma mistura de raças: brasileiros, portugueses, africanos, do leste da Europa... Era diferente. Na verdade quem tinha de se adaptar era eu e não o contrário. 

A adaptação foi difícil?
O meu primeiro ano foi difícil. Não por não ter jogado mas porque o guarda-redes tem um treino específico e em Portugal era diferente ao que eu estava acostumado. Treinava menos e pensava: ‘Será que vou conseguir jogar ao meu mais alto nível a treinar tão pouco?’. Já o resto foi fácil. O clima, a alimentação, os madeirenses... Eu imaginava que a integração seria mais difícil mas o mais complicado foi a parte desportiva. Pensava que ia jogar num clube que estaria sempre entre os primeiros e até imaginava que iria lutar pelo título. Foi pura falta de informação. Bastava consultar a história do futebol português para alterar esta visão. Para um jogador que chega do Brasil e que teve a oportunidade, como eu tive, de ganhar um título importante, mexe connosco. Mesmo a Taça de Portugal é pouco. Não sou o Buffon ou o Júlio César mas tenho ambição, quero ir o mais longe possível e ganhar títulos.
  
Veio sozinho ou acompanhado pela família?
Acompanhado pela família. A família representa a base e o equilíbrio de um atleta até porque vivemos longe de todos os restantes familiares. Por vezes, quando chegas a casa depois de um treino e vens de cabeça quente é a tua mulher que te acalma e te mostra a luz da razão.
 
O facto de existir uma grande comunidade de jogadores brasileiros em Portugal ajuda a minimizar as saudades de casa? 
Sim, ajuda na integração. Na Madeira criei amizades com brasileiros dos outros clubes da ilha. Acabamos por nos ajudar uns aos outros, até a nível financeiro.

Por causa dos salários em atraso?
Sim. Está-se fora do país, muitas vezes pela primeira vez, o empresário falou isto e aquilo e o jogador vem cheio de ilusão e depois de repente começam os problemas. Surgem os salários em atraso e o que o jogador ganha não chega para poupar e estar sem receber. O jogador liga para o empresário e este já não atende o telefone... Na Madeira, como havia muitos brasileiros, era mais fácil ter um suporte. 

Que balanço faz da sua passagem pelo Nacional da Madeira?
Foi bastante positivo. Conseguimos um quarto lugar, alcançámos o maior número de pontos na história do clube e no ano seguinte entrámos pela primeira vez na fase de grupos da Liga Europa.

Transferiu-se do Nacional para o FC Porto. Foi o reconhecimento das suas qualidades?
Penso que sim. Cheguei ao FC Porto aos 30 anos e o FC Porto dificilmente contrata um jogador com essa idade. Acabei o contrato com o Nacional e tive a oportunidade de assinar pelo FC Porto. Não pensei duas vezes. O FC Porto é o maior clube de Portugal. Até hoje acho que tenho uma carreira vencedora. Nós já somos vencedores porque quase todos querem ser jogadores profissionais de futebol e só uma pequena parte o consegue e quando há quem reclame a dizer que não teve oportunidade de jogar e não sei o quê... Todos têm a sua oportunidade se trabalhar. Em todos os clubes por onde passe consegui sempre fazer uma coisinha que entrasse na história. É a minoria que ganha milhões. Chegar ao FC Porto foi o reconhecimento do meu trajecto.

Como encara a cedência ao Olhanense?
Com naturalidade. Não joguei muito o ano passado. Por incrível que pareça valoriza-se menos um segundo guarda-redes de um clube grande do que um que esteja a jogar num clube menor. O Helton não me deixou jogar mais. Queria e sabia que tinha condições para vencer no FC Porto mas a partir do momento que optaram por contratar outro guarda-redes é seguir em frente, a vida continua. Custa sair do FC Porto após só lá ter estado um ano mas já tenho a cabeça no Olhanense. Fui muito bem recebido, é um clube organizado, tem um bom staff técnico e um bom grupo de jogadores. Tem tudo para fazer um campeonato tranquilo.
   
Esta é a sua sétima época em Portugal. O que é que mudou, se mudou alguma coisa, no futebol português?
Acho que piorou. Saíram muitos jogadores para campeonatos como os da Roménia, do Irão ou de Chipre. Como plano de carreira talvez não seja tão bom mas deve compensar financeiramente. Penso que é um sinal de que em Portugal, principalmente os clubes menores, não estão a conseguir oferecer bons contratos e assim a conservar os melhores jogadores. Comparativamente com a época em que cheguei a Portugal, hoje há um maior desequilíbrio entre os grandes e os pequenos clubes. O fosso é maior e a competitividade baixa. Na sua maioria, os jogadores contratados são também de nível inferior. Depois a crise que o País atravessa também ajuda as pessoas a afastarem-se do futebol.  

O jogador, sendo o protagonista do futebol, é muitas vezes o elo mais fraco. Como justifica isso?
Porque o jogador só pensa nele próprio. Se ele está bem não quer saber dos outros. O jogador é egoísta. A solução passa pelo jogador, pela classe. Um, dois, dez jogadores sozinhos não conseguem mudar nada. Todos falam mas na hora de “botar a cara” vai fazê-lo sozinho porque os outros não vão estar com ele.  
 
É imperiosa uma mudança de mentalidades?
Sem dúvida. Se não se fizer nada não adianta reclamar.

Os salários em atraso no futebol é um tema que o preocupa?
Sim. 

Alguma vez passou por essa situação?
Graças a Deus não. Tive a sorte de trabalhar em clubes cumpridores. Nunca saí de nenhum clube deixando dinheiro para trás. Sempre lutei pelos meus direitos. 

Como é possível superar o problema dos salários em atraso?
Só se os jogadores se unirem. Por exemplo, chega o final da temporada e o jogador tem três meses para receber e aí o clube diz para fazer um acordo. Não tem que ter acordo, a verba é do jogador por direito. O clube paga o que deve e o jogador vai embora. Se atrasar uma ou duas semanas não há problema, o jogador entende, agora quando são meses a situação começa a arrastar-se. Nem todos os jogadores ganham milhões. O dinheiro que ele ganha dá para um mês e pouco mais. Se os jogadores não se unirem, não tentarem mudar a situação... É inexplicável que clubes com processos na Justiça tenham estes comportamentos. Isto sucede durante anos e anos. É preferível acabar com estes clubes. Se não têm como pagar fechem as portas. Se é para enganar o jogador, é preferível que o jogador procure um novo caminho, que tenha tempo para estudar. A realidade é dura mas é preferível. Temos um sonho que é jogar futebol mas chegar a um clube e não receber, ir para outro e outra vez não receber não pode ser. É preciso mudar e isto só é possível com alguma atitude dos jogadores, da classe, dos treinadores...  
    
O Sindicato tem estado na primeira linha do combate a este fenómeno. Como vê o papel do Sindicato?
Está interventivo e participativo. Claro que o Sindicato não vai conseguir pagar o salário em atraso, nem tem essa obrigação, de todos os jogadores. Tem sim o direito de proteger, informar e defender o atleta em relação aos seus direitos. Claro que para os clubes o Sindicato pode ser uma ameaça mas esta só será real se os clubes não cumprirem. Para o Sindicato ser cada vez mais forte é preciso que os jogadores se tornem sócios.
    
A maioria dos jogadores brasileiros em Portugal são sócios do Sindicato. Surpreendido?
Eu quando sai do Brasil já era sócio do sindicato brasileiro mas no Brasil a maioria dos jogadores só procura o sindicato quando tem salários em atraso. Agora quando vêm para Portugal geralmente tornam-se sócios do Sindicato. É uma espécie de garantia. Eles pensam: ‘Vou sair do Brasil, vou para Portugal e não vou receber? Quem é que me pode ajudar? O sindicato.’ Acho que o jogador brasileiro é um pouco mais destemido do que o português. É algo cultural, não tem medo de lutar pelos seus direitos. 

Já precisou do Sindicato em Portugal? Correspondeu às suas expectativas?
Já para esclarecer-me sobre algumas situações contratuais e fui muito bem atendido. Não tenho qualquer razão de queixa.

Aconselha os seus colegas a tornarem-se sócios do Sindicato?
Digo-lhes sempre que não têm nada a perder, antes pelo contrário. O valor da anuidade é irrisório em comparação com a importância que o Sindicato pode vir a ter na carreira de um jogador. Tomara que o jogador nunca precise do Sindicato, que tenha um empresário que o oriente para que nunca tenha problemas com os contratos ou os impostos, por exemplo. Eu sindicalizei no ano em que cheguei.
 
Tem alguma referência como guarda-redes?
Cláudio Taffarel.

Quem é o melhor guarda-redes a actuar em Portugal?
Pelo seu percurso é o Helton (FC Porto). Logo a seguir, o Rui Patrício (Sporting) e o Artur (Benfica).

É importante que haja um treinador de guarda-redes?
É vital. Quando cheguei a Portugal bati nessa tecla vezes sem conta. Por detrás de um bom guarda-redes há sempre um bom treinador de guarda-redes.

Já passou por balneários difíceis?
Já. Há treinadores que dizem que os jogadores se podem odiar desde que dentro do campo sejam amigos. Isto raramente resulta. Quando as coisas estão mal no balneário isso reflecte-se no campo. Hoje não é fácil encontrar um balneário harmonioso. A responsabilidade para criar um bom balneário está na mão dos próprios jogadores e dos treinadores. É fundamental uma boa gestão.  

No seu caso pessoal como reage quando não é titular?
O jogador ficar chateado por não jogar mas tem de continuar a trabalhar, a oportunidade, mais cedo ou mais tarde, vai chegar. No Nacional demorei ano e meio a atingir a titularidade mas quando tive a oportunidade nunca mais larguei a titularidade. Agarrei-a com as duas mãos. Já perante o grupo é uma questão de carácter. Se o jogador achar que é mais que o grupo então cria mal-estar. Agora se respeitar os colegas tudo corre bem. 

Qual o papel do capitão na gestão de um grupo?
O capitão deve ser escolhido pelo treinador. Deve ser respeitado pelos colegas. Não é fácil ser capitão de equipa. Não concordo com a eleição do capitão devido à sua antiguidade no clube. Dos que conheci até agora há um que é fenomenal: Lucho Gonzalez. Ele é tranquilo, é respeitado pela sua forma de ser e estar. Quando fala diz o que é preciso. Isso é um capitão. Ajuda os colegas, incentiva-os, tem postura de líder. Lucho Gonzalez é um exemplo perfeito do que deve ser um capitão.

O maior frango que já sofreu?
Pelo Paulista contra o Avaí. A bola era fácil de defender mas entrou. De repente tinha a claque do Avaí a chamar-me frangueiro! Frangueiro! Não é agradável mas faz parte da aprendizagem de um guarda-redes.

Uma mensagem final para os jogadores profissionais de futebol que estão a passar dificuldades?
Se o jogador está com salários em atraso ou lesionado não deve temer nada. Deve perguntar, deve procurar quem o pode ajudar. Se já foi iludido uma vez não seja novamente, pergunte, não assine nada sem ler, sem que o Sindicato ou uma pessoa da sua confiança o ajude. Quem está em dificuldades deve procurar ajuda, falar com outros jogadores, dar entrevistas e expôr o caso, não tenha medo, pior não vai ficar.