“Acabou o sonho mas tenho de olhar em frente”


Aos 23 anos, Fábio Faria abandonou a carreira de futebolista devido a problemas de saúde. O jogador do Benfica (emprestado ao Rio Ave) agradece o apoio do Sindicato e confia no futuro. “Aquela porta [a de jogador] fechou-se mas estou certo de que outras se irão abrir.”

Como é que tem sido a sua vida depois do anúncio oficial do abandono da carreira?

Tem sido diferente mas boa. Tenho recebido muitas mensagens de apoio via Facebook ou por telemóvel que me têm ajudado a ultrapassar esta fase complicada. 

 

Já está conformado com o abandono forçado da carreira ou ainda pensa muito no assunto?

Sim, já estou conformado. Só penso no assunto quando vejo alguns jogos e então dá-me aquela vontade de voltar a jogar. Mas já meti na cabeça que é passado e que tenho é que olhar para o futuro. A conferência de imprensa funcionou como uma espécie de alívio, como um peso de saiu de cima de mim. Tinha muita pressão, queria voltar a jogar e as coisas não estavam a correr bem.   

 

Já recebeu algum convite para exercer alguma função no futebol?

O presidente Luís Filipe Vieira, após a conferência de imprensa, disse-me que se eu quisesse vir para Lisboa no dia seguinte que me arranjava trabalho e também o Rio Ave já me fez uma proposta para desempenhar a função de olheiro com o intuito de ver jogadores já para a próxima época.

 

E qual foi a sua resposta?

Ainda não dei qualquer resposta porque ainda tenho que resolver o meu problema de saúde. Tenho de colocar um desfibrilhador no coração e só depois é que decido o que será melhor para mim.

 

E em relação à ideia de querer tirar o curso de Gestão Desportiva?

Mantenho a ideia. Quero inscrever-me no próximo ano letivo e ficar ainda mais ligado ao desporto. Se conseguir ficar ligado profissionalmente ao futebol penso que esse curso será uma mais-valia importante.

 

De todas as opções o que é que lhe apetece fazer?

Ainda não sei bem. Não sei se tenho jeito para treinador, para diretor, para olheiro… não sei, só depois de estar bem de saúde é que vou decidir.

 

Enquanto jogador tinha algum ídolo?

Rui Costa e Luís Figo. Sempre gostei de jogadores que jogassem para a frente. Fui defesa central mas nunca tive um defesa central de referência. Gosto de ver golos e técnica e foram jogadores como o Rui Costa e o Figo que mais me marcaram.

 

Quem foi o melhor jogador com quem jogou?

O Pablo Aimar. Não sei o que ele fazia à bola que ninguém era capaz de lha tirar.

 

E o adversário mais complicado?

Radamel Falcão. Era um “rato”. Pensava que ele estava num lugar e afinal já estava noutro. É um jogador muito difícil de marcar e não me surpreende minimamente o sucesso que está a alcançar em Espanha. Para mim é o melhor ponta de lança do mundo. 

 

Quem é o seu melhor amigo no futebol?

Tenho vários e não gostaria de nomear algum porque posso esquecer-me de alguém e era chato.

 

A zona de Vila do Conde tem sido um verdadeiro viveiro de jogadores. Qual é o segredo?

Os miúdos daquela zona começam a jogar futebol muito cedo, faltam à escola só para jogar… e em qualquer estrada de Vila do Conde ou em Caxinas há sempre alguém a jogar futebol. Esse é o segredo. Não têm medo de nada, vão sempre à luta e têm muita ambição em chegar longe.  

 

Também faltava às aulas para jogar futebol?

Não, eu era diferente porque comecei no basquetebol. Faltava a algumas aulas – poucas – para jogar basquetebol e só a partir dos 12 anos é que o futebol começou a ser mais importante.

 

Estudou até que ano?

Até ao 11.º ano.

 

Arrepende-se de abandonar os estudos precocemente?

Não. Acho que se fosse hoje fazia a mesma coisa. Era difícil conciliar. Eu assinei pelos seniores aos 16 anos e tinha treinos de manhã, os estágios da seleção e era muito difícil conciliar os estudos. Depois os professores também não facilitavam e então optei pelo futebol. 

 

Qual a sua melhor recordação do futebol?

Tenho várias. O primeiro jogo pelos seniores do Rio Ave aos 17 anos. Foi frente ao Feirense, na II Liga. A minha primeira internacionalização, nos sub-18, e finalmente quando assinei pelo Benfica. Penso que tive uma ascensão muito rápida. Tinha esses objetivos e em dois anos consegui concretizá-los. Foi pena tudo ter acabado também tão rápido.

 

Foi o destruir de um sonho? 

Sim, foi um sonho que acabou. Lutei e trabalhei muito para o materializar e de um momento para o outro acabou. Houve momentos em que me questionei por que razão isto me estava a acontecer. Foi complicado mas agora tenho de olhar em frente. Aquela porta fechou-se mas estou certo de que outras se irão abrir.

 

E a pior recordação do futebol?

Foi no Paços de Ferreira quando fui expulso por agredir o Hugo Vieira, então jogador do Gil Vicente. Estava de cabeça perdida, não sou maldoso e considero esse momento como a minha pior recordação.

 

Chegou a pedir desculpa ao Hugo Vieira?

Não consegui porque os adeptos também não me perdoaram. Fui insultado e foi um momento muito mau. Na homenagem de que fui alvo no Estádio da Luz tive a oportunidade de cumprimentar o Hugo e quando estiver novamente com ele vou pedir-lhe desculpa pelo sucedido.

 

É difícil a relação do jogador com os adeptos?

Por vezes. Quando cheguei ao Paços de Ferreira, e os adeptos são quase todos portistas, já esperava uma adaptação difícil. Cada passe que um jogador emprestado pelo Benfica erra é logo alvo de críticas por parte dos adeptos. No jogo que referi em que fui expulso tive ainda o azar do jogo a seguir ser contra o Benfica e os adeptos pensaram que eu tinha feito de propósito para não defrontar o Benfica. Mas tirando o episódio do Paços nunca tive qualquer problema com os adeptos nos outros clubes por onde passei. No Rio Ave, sou considerado um jogador da casa, no Benfica, recebia muitas mensagens de apoio, e no Valladolid, também mostraram um grande carinho por mim.   

 

Qual o treinador do qual guarda melhores recordações?

O Vítor Pereira (atual treinador do FC Porto) que foi meu treinador nos iniciados do FC Porto, o Carlos Brito (desempregado) e o Jorge Jesus (Benfica).

 

Considera que as entidades do futebol com responsabilidades tratam bem os jogadores vítimas de situações semelhantes à sua?

Acho que deveriam fazer mais porque estes momentos são muito complicados. Tenho muito que agradecer ao Sindicato pois foi através deste que consegui reunir todas aquelas pessoas importantes do mundo do futebol e se não fosse o Sindicato acho que ainda não tinha decidido a minha vida e andava aí de um lado para o outro sem saber o que fazer. Acho que todos os jogadores deveriam ser sindicalizados. Se não fosse o Sindicato a minha vida não tinha andado para a frente. 

 

Sentiu-se sempre apoiado pelo Sindicato?

Sem dúvida. A partir do momento em que o contactei o Sindicato mostrou-se sempre disponível. Senti-me sempre apoiado e o presidente Joaquim Evangelista foi espetacular e só tenho de lhe agradecer.

 

A sua carreira profissional acabou por ser curta. Conseguiu, mesmo assim, amealhar um bom pé-de-meia de modo a prevenir o futuro?

Só quando assinei pelo Benfica é que tive um contrato melhor. A partir daí comecei a ter uma melhor qualidade de vida e não pensava muito no dia de amanhã. Pensava ter pelo menos mais dez anos de carreira. Admito que gastei dinheiro em coisas desnecessárias e que se pudesse voltar atrás já não as comprava. Mas mesmo assim, ainda consegui juntar algum pé-de-meia. 

 

Começou por jogar basquetebol. Perdeu-se um futuro jogador da NBA?

Não sei, a verdade é que tinha jeito. No dia em que assinei pelo FC Porto recebi uma chamada da Federação de Basquetebol a comunicarem-me que tinha sido escolhido para um Centro de Alto Rendimento. Iria ficar dois anos no Porto a estudar e a jogar basquetebol. Agora não sei se se perdeu um jogador da NBA e se ganhou um jogador de futebol.

 

Continua a acompanhar o basquetebol?

Sim, sou viciado na NBA.

 

Foi treinar ao FC Porto aos 12 anos por influência da família do Hélder Postiga. Como é que tudo aconteceu?

A minha tia também é tia do Hélder Postiga e por altura da Páscoa é tradição fazermos um piquenique. Vamos todos acampar e passamos o dia no campo. Como a família do Hélder é muito grande fazíamos sempre um jogo de futebol. O Hélder achou que eu tinha jeito e, sem me dizer nada, falou com os diretores do FC Porto. Disse-lhes que eu tinha técnica mas que não tinha formação. Três meses depois, ia eu para um torneio de basquetebol quando o meu pai recebeu um telefonema a dizer que eu tinha de ir às captações no FC Porto. O meu pai ficou surpreendido pois pensava que era para o basquetebol. E foi assim que aconteceu. 

 

E foi ao primeiro treino com uns calções vermelhos…

Foi engraçado. Cheguei lá cheio de estilo, à jogador da NBA e com uns calções vermelhos vestidos – o meu pai tinha uma escolinha de futebol e os calções eram vermelhos. No final do treino os diretores do FC Porto chamaram-me, disseram-me que aquela cor não era apropriada e para nunca mais levar aqueles calções. E foi assim que surgiu o futebol na minha vida.

 

A história dos calções vermelhos foi uma espécie de premonição para o futuro? De se tornar um dia jogador do Benfica?

Não sei. Eu já era benfiquista.

 

Esteve três anos no FC Porto (iniciados e juvenis) e foi para o Rio Ave. Qual a razão?

Fui dispensado. Fiz toda a época de juvenil de primeiro ano a titular como defesa esquerdo e depois quando ia passar para juvenil de segundo ano o FC Porto foi buscar dois novos jogadores e dispensaram-me.

 

É verdade que pensou em abandonar o futebol e dedicar-se ao basquetebol?

Sim, foi uma desilusão muito grande. Achei que tinha sido alvo de uma injustiça. Depois também fiquei indeciso sobre se iria continuar a jogar no Rio Ave ou no Varzim – tinha amigos nos dois clubes. Foi uma birra de miúdo. Então escolhi o Rio Ave porque tinha relvado sintético, era o clube da minha terra e os meus pais também fizeram força. No primeiro jogo pelo Rio Ave quis jogar a ponta de lança por causa do meu pai [Chico Faria, ex-avançado das décadas de 80 e 90] e…

 

Tinha que idade?

… Quinze anos e então o treinador virou-se para mim e disse-me: “Hoje vais jogar a central”. Fiquei logo maldisposto e no primeiro jogo comecei a fintar os avançados na defesa, perdi a bola e foi golo da equipa adversária. Disse então que não queria mais jogar futebol. O treinador teve uma reunião com os meus pais e os meus pais disseram-me: “Ou jogas a central no Rio Ave ou acaba-se o futebol!”. Foi aí que comecei a jogar a central e posso dizer agora que foi a melhor escolha que fiz.      

 

 

Aos 18 anos esteve a treinar uma semana no Chelsea, então treinado por José Mourinho. Como aconteceu o convite e o que é que falhou para não assinar pelo clube inglês?

Eu tinha acabado de assinar pelos seniores do Rio Ave e no final de um treino, o presidente e o diretor desportivo do Rio Ave vieram ter comigo e disseram-me que na segunda-feira seguinte eu iria treinar à experiência no Chelsea – duas semanas antes tinha lá estado o Fábio Coentrão. O Jorge Mendes já tinha falado com o Mourinho e este queria conhecer-me. As coisas até me correram bem e o José Mourinho quis ficar comigo mas foi na época que ele saiu do Clube e a transferência foi por água abaixo. Então continuei no Rio Ave.

 

Ficou triste?

Sim, acabou o sonho mas passadas duas semanas fui treinar à experiência Sampdória (Itália), também por intermédio do Jorge Mendes. As coisas voltaram a correr bem mas o Rio Ave pediu muito dinheiro e a transferência não se concretizou.

 

Após o anúncio do final de carreira foi homenageado pelo Benfica e pelo Rio Ave. Qual foi a mais emocionante?

Foram diferentes. A homenagem do Benfica foi mais bonita. Estavam 30 mil pessoas no Estádio da Luz, fui ao campo antes do início do encontro… os adeptos a cantarem o meu nome… gostei muito. No Rio Ave foi diferente porque tinha morrido um médico muito conhecido no clube e em Vila do Conde e foi homenageado antes do jogo. A minha foi ao intervalo e foi tudo muito rápido. Mas ambas as homenagens foram muito gratificantes embora a do Benfica tenha sido mais emocionante.  

 

Qual o seu clube do coração?

O Benfica e o Rio Ave

 

O que espera para o futuro?  

Gostava de ficar bem de saúde, tirar um curso de Desporto e ficar ligado ao futebol, pois o futebol é a minha vida. 

 

B.I.:

Nome: Fábio do Passo Faria

Data de nascimento: 24/04/1989

Naturalidade: Vila do Conde

Posição: Defesa

Clubes: FC Porto e Rio Ave (formação), Rio Ave, Benfica, Valladolid (Espanha), Benfica, Paços de Ferreira e Rio Ave

Títulos: Taça da Liga (2010/11)