“Estou orgulhoso porque ajudei a construir o futsal”


JOÃO BENEDITO é, mais que guarda-redes do Sporting e da Seleção Nacional, um símbolo do futsal português. Em conversa com o SJPF, o atleta fala do bom momento do futsal nacional.

Quinze títulos, jogador titularíssimo do Sporting e da Seleção e meia vida (17 anos) dedicada a um clube de futebol. O que falta ainda cumprir ao João Benedito?
Tenho alguns objetivos de carreira e títulos que ambiciono conquistar, entre eles uma UEFA Futsal Cup, e penso que já estivemos muito perto de o cumprir. Esse é o único que falta, a nível de clube. A nível de seleção, são os troféus que toda a gente gosta de conquistar: o Campeonato do Mundo e o Campeonato da Europa. Os outros objetivos e ambições mantêm-se, de ser cada vez mais vezes campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal e da Supertaça e transmitir esta ideia vencedora de Sporting a todo o País.

Qual é a expectativa para esta época? 
É a mesma de sempre, desde que me encontro aqui no clube. Ganhar todos os troféus, deixar sempre uma boa imagem e, para além de ganhar, tentar jogar sempre bem para que as pessoas gostem do nosso trabalho e da modalidade em si para poderem voltar aos pavilhões. 

Até quando vamos ver o Benedito à frente das redes do Sporting?
Não sei [risos]. Neste momento, quando se chega a esta idade, vamos pensando ano a ano. As pessoas pensam que é um chavão, mas é mesmo assim. Vamos pensando por títulos e analisar sempre no final de cada época se a opção de continuar a jogar é a mais indicada e se as pessoas, como é óbvio, continuam a contar comigo, porque, nesse caso, estou sempre disponível. 

Quando decidiu ser jogador de futsal? O futebol nunca esteve em primeiro lugar?
Desde muito novo que vivo dentro do Sporting. O meu avô trabalhou aqui e ele era, na altura, responsável pelo centro de estágio onde estavam os jogadores de futebol. E eu sempre quis ser praticante da modalidade e falava com a minha mãe e com o meu pai a saber se podia vir algum dia às captações ou se o meu avô poderia dar um empurrãozinho para que isso acontecesse, mas ele sempre foi uma oposição. Depois, devido a uma volta que a nossa vida deu, o meu avô acabou por falecer muito precocemente, eu sempre fui tentando mas já estava numa idade avançada para poder entrar. Além disso, as captações tinham para aí 500 pessoas e acabei por não ficar no futebol.
Depois enveredei pelo futsal, mais pelo desporto escolar. Há uma altura em que surgem as captações no Sporting e decidi vir. Ao princípio mandaram-me embora, andei cá uns seis meses “a tapar buracos”. Vim para cá em janeiro. As pessoas gozavam um bocadinho comigo pela forma má como abordava os lances [risos], mas fiquei até ao fim da época. Na temporada seguinte, houve um problema com um guarda-redes por não lhe ter sido dada carta de desvinculação e não havia muito mais opções. Houve mais uma captação, eu cheguei atrasado e um dos treinadores disse que eu nem precisava de me equipar. Mas o outro técnico insistiu para ver no que dava e chamaram-me para fazer parte do plantel. 

E porquê a baliza?
Quando estava nessa coletividade de bairro, um amigo meu fazia parte da equipa técnica convidou-me para ir para lá e o único lugar disponível que existia era a baliza e eu queria estar com ele na equipa onde ele estivesse. E fui ficando. 

O que é preciso a um guarda-redes de futsal?
Coragem. O principal, que salta à vista, é coragem, aliada a uma capacidade de trabalho muito grande. Há pessoas que podem ser mais talhadas para o lugar, ter características próprias que nasceram com elas. Por onde comecei vou por treinar sempre mais e conseguir dar qualidade ao trabalho que se faz. E é preciso que a bola não entre [risos]. Psicologicamente também é importante ser muito forte, porque as coisas acabam por descambar para quem está lá atrás. 

Esteve uma época em Espanha. Porque decidiu sair temporariamente do seu clube?
Desde 2003 tive algumas propostas para sair do Sporting. Sempre chegámos à conclusão que não era bom sair nessa altura. Em 2006 surgiu outra proposta, sentámo-nos todos à mesa com o treinador e o diretor do departamento e concluímos que era uma boa altura para poder ir experimentar. Foi bastante consensual entre todos.
Foram duas fases bastante distintas de um ano da minha vida. Aprendi muito, foram seis meses muito bons, muito sólidos, em crescendo. Depois tive um azar, aqui, curiosamente. Foi durante as férias do Natal, os clubes em Espanha dão férias aos atletas para poderem estar com as suas famílias. Vim treinar ao Sporting e comecei a sentir uma dor nas costas e só sei que passados três dias estava hospitalizado com um pneumotórax, tive de ficar cá durante dois meses. Depois mais um mês em Espanha, a recuperar, e já estava quase no final da temporada. Continuei a manter o contacto permanente com as pessoas daqui e, apesar de ter contrato lá, decidi regressar. 

Em termos profissionais, qual é a profissão que ocupa no Sporting, de momento com licença sem vencimento?
Sou marketeer do clube. 

Como surgiu essa oportunidade?
Em 2003, quando terminei o curso, regressámos do Europeu, e já tinha sido falada a possibilidade de trabalhar aqui no clube, dado que treinávamos às 11h45 e às 19h. Como tinha acabado a licenciatura e passava muito tempo no clube, uma vez que sempre tive duas ocupações (estudava e treinava), propus isso, as pessoas aceitaram, entrei para a estrutura e comecei a trabalhar e a jogar. Sempre deu para conciliar. Quando saí para Espanha, as pessoas trataram-me de uma forma espetacular e toda a gratidão que lhes tenho será sempre muito pouca. Deram-me uma licença sem vencimento para quando voltasse para o clube. Mudaram os horários dos treinos e
incompatibilizou-se essa vertente profissional mas mantenho essa licença sem vencimento para quando deixar de jogar para continuar a trabalhar e não há preço que pague o valor que esta situação tem para mim. 

Fala-se muitas vezes no João Benedito enquanto futuro dirigente no Sporting (quiçá, presidente). Como vê essa possibilidade?
É algo que neste momento não pode ser pensado. São coisas que, se um dia surgirem, serão por acréscimo e pelo desenrolar dos eventos de um largo período que ainda tenho para percorrer. Mas fico contente por as pessoas, por decisão própria, apontarem esse caminho tão bonito para mim. 

O que falta à Seleção para obter um título europeu ou mundial?
Falta chegar lá e ganhar [risos]. Estas competições têm contingências muito próprias. Já jogámos muito mal e tivemos grandes classificações, como aconteceu na Hungria, em que ganhámos um jogo e fomos segundos. Já aconteceu jogarmos muito bem, fazermos mais pontos e saírmos logo nos quartos-de-final. Falta um bocadinho de amor-próprio, de nacionalismo, de percebermos quão bons somos e termos aquela pontinha de pequena arrogância que nos faz ultrapassar alguns obstáculos. Tentamos ser um pouco realistas demais e se formos um bocadinho inconscientes na abordagem, chegaremos mais além.

Como observa este crescimento do futsal em Portugal nos últimos anos?
Tenho acompanhado aqui várias fases. A onda que existe em relação à modalidade é enorme, há gente ao teu lado a falar da modalidade e a gozar uns com os outros por o seu clube ter perdido. Pensar nisto há 15 anos era surreal. Passámos de uma fase em que só tínhamos família e amigos na bancada para agora organizar jogos e termos de nos preocupar com questões de segurança. Vejo isto de uma forma orgulhosa porque também ajudei a construir isto, até porque o Sporting tem a maior quota-parte em relação a tudo isto. Acreditou, viveu, construiu e está num momento bom. Temos a vantagem de ainda estarmos um bocadinho longe daquilo que é a realidade do futebol mas acho que isso pode ser benéfico para se construir o futuro que aí vem com uma base sólida. 

Qual é a imagem que tem do SJPF?
É uma imagem que salvaguarda o interesse dos jogadores, que há alguém que se preocupa com a realidade desportiva e que tem muito trabalho pela frente. É sempre bom ter um ponto de abrigo para que alguém nos ajude e indique qual será o caminho correto no meio de tanta malandrice que hoje se vê. 

Nome: João Paulo Feliciano Neves Benedito
Data de Nascimento: 07/10/1978
Equipas: União Desportiva do Olival Basto, Playas Castellón e Sporting
Títulos*: Sete Campeonatos Nacionais (1998/99, 2000/01, 2003/04, 2005/06, 2009/10, 2010/11, 2012/13), Quatro Taças de Portugal (2005/06, 2007/08, 2010/11, 2012/13), Quatro Supertaças (2001/02, 2004/05, 2008/09, 2010/11)
*todos conquistados pelo Sporting