“As críticas aos avançados da Seleção já são um estigma. Já existem há muitos anos”
HÉLDER POSTIGA não é um jogador consensual mas, apesar das críticas, é um goleador. Nesta entrevista, o ponta de lança de 31 anos fala das opções que tomou no passado, do futuro e do papel do SJPF.
Quais são as suas expectativas para esta época no Valência?
Conseguir o apuramento direto para a Liga dos Campeões, realizar uma boa campanha na Liga Europa e um bom trajeto na Taça do Rei.
A nível pessoal, estipulou um número mínimo de golos?
Não, nunca defino um número de golos. Procuro sim oferecer à equipa dedicação, trabalho, dar o máximo, para juntos alcançarmos os nossos objetivos.
Sente pressão por ter sido contratado para substituir um jogador como o Soldado, um símbolo de Valência?
Não. O Valência sempre teve grandes avançados e sempre conseguiu arranjar substitutos à altura. Por isso, a mim cabe-me dar o máximo, trabalhar e fazer com que as coisas aconteçam.
As presenças dos portugueses Ricardo Costa e João Pereira no plantel facilitaram a sua integração?
Ajuda sempre quando há compatriotas no clube para onde vamos. Tanto o Ricardo como o João foram importantes na minha adaptação. Conhecem o clube e a sua realidade. Ajudaram-me, não só eles como o restante plantel.
Falou com eles antes de assinar pelo Valência?
Já conheço o Ricardo e o João há muito tempo. Joguei com o João no Sporting e cresci com o Ricardo, joguei com ele no FC Porto desde a formação. Temos uma relação próxima que fez com que falássemos da minha possibilidade de vir a representar o Valência, o que acabou por suceder.
Já jogou nas ligas de Portugal, Inglaterra, França, Grécia e Espanha. Qual o futebol destes países que mais se adapta às suas características?
Tendo em conta o futebol e o próprio país, penso que é o espanhol. A seguir a Portugal é o país onde estive mais tempo e adaptei-me bem tanto a nível pessoal como profissional.
Com o passar dos anos alterou a sua forma de jogar?
Consoante passam os anos é natural existir uma adaptação. Melhoramos nalgumas situações e pioramos noutras. Por isso é necessário trabalhar sempre no máximo para que as coisas aconteçam como desejamos.
Prefere jogar sozinho ou acompanhado na frente?
É-me indiferente, gosto é de jogar.
Há quem diga que é um dos nove menos egoístas do futebol. Concorda com essa análise?
Faz parte da minha forma de jogar e de encarar o futebol. Acho que somos mais fortes todos juntos do que um só. O grande objetivo de uma equipa é jogarmos todos para o mesmo lado.
Também há quem diga que o Postiga, como ponta de lança, deveria marcar mais golos.
Sempre que tenho uma oportunidade tento concretizá-la. Um ponta de lança é visto pelos golos que marca e pela sua produtividade. Serei sempre analisado pelos golos que marco.
Os jogadores portugueses emigram cada vez mais cedo. O Postiga transferiu-se para o Tottenham, onde ficou conhecido como O Carteiro, com apenas 21 anos. Foi demasiado cedo?
Foi um momento em que pensei que estava na altura de sair. A oportunidade era muito boa mas encontrei uma realidade totalmente diferente, ao nível da estabilidade, à que estava habitado no Porto. Quando se é jovem o mais difícil não é adaptação ao futebol mas ao que o rodeia. Foi onde senti mais dificuldades. Viver em Londres... o mais difícil é a adaptação à vida social.

Se pudesse voltar atrás, faria o mesmo?
Sim, a oportunidade foi fantástica. Melhorei e aprendi muitas coisas com o decorrer dos anos. Sim, voltaria a fazer a mesma coisa.
Formado no FC Porto, alguma vez pensou em jogar noutro grande em Portugal, como veio a acontecer com o Sporting?
Um profissional de futebol nunca poderá dizer o que vai acontecer amanhã. Mas temos sempre como referência o clube onde nos formamos e não esqueço que o FC Porto foi um clube importantíssimo na minha carreira. Tive a oportunidade de jogar no Sporting, um grande clube, e desfrutei imenso. Como já disse, como profissional, independentemente do clube de hoje, não se sabe o que poderá acontecer amanhã.
Qual foi o melhor balneário que conheceu?
Os balneários são bons quando se ganha títulos. A vitória transmite alegria e o ambiente fica muito mais saudável. Por isso, talvez seja o balneário do FC Porto, em 2002/03, quando ganhámos o Campeonato, a Taça de Portugal, Taça UEFA e Supertaça. O ambiente era fantástico e existia uma mescla de juventude e experiência.
Foi algumas vezes emprestado pelo FC Porto. Como é que um jogador reage aos empréstimos?
No meu caso eu é que pedi para ser emprestado. No primeiro (ao Saint-Étienne) estava a jogar pouco no FC Porto e queria jogar mais e no segundo caso (ao Panathinaikos) foi um problema que tive com o Co Adriaanse e também quis sair para jogar mais.
Ou seja, nos seus casos o empréstimo foi algo positivo?
Sim porque normalmente o jogador, quando é emprestado, é por necessitar de mais minutos, de se sentir útil e importante. Foi o que aconteceu comigo.
jogou em Inglaterra, França e Grécia e agora em Espanha. Sente que lhe é exigido mais por ser estrangeiro?
Sem dúvida. Um jogador estrangeiro quando chega tem de demonstrar mais do que um jogador natural do país. Esse cenário passou-se em todos os países onde joguei. É normal. São jogadores pelos quais os clubes pagam muito dinheiro e por isso têm de demonstrar a sua qualidade e que fazem a diferença.
Em Portugal, a realidade parece ser diferente...
Sim, por norma, recebemos muito bem os jogadores estrangeiros. É uma questão cultural. Fala-se sempre mais e melhor do produto estrangeiro do que do produto nacional.
Infelizmente, jogadores com salários em atraso são um cenário recorrente em Portugal. Passou alguma vez por esse problema nos diversos países onde jogou?
Não. Infelizmente as notícias que chegam de Portugal não são boas. Nós, jogadores, como qualquer outro trabalhador, gostamos de receber o nosso salário no final do mês. Como toda a gente também temos as nossas despesas e obrigações. Há relatos de situações limite de jogadores em Portugal e isso deixa-me triste.
É amigo de Fábio Faria, jogador que foi obrigado a deixar de jogar devido a razões de saúde. Esse tipo de acontecimentos fazem um profissional refletir sobre a profissão e o futuro?
O jogador, hoje em dia, já salvaguarda mais o futuro do que acontecia antigamente. Há mais jogadores esclarecidos e formados, muitos jogam e estudam ao mesmo tempo, o que contribui para preparar melhor o seu futuro. No caso do Fábio, deu-me muita mágoa e tristeza, porque é alguém que conheço desde os 10 anos. O Fábio é uma força da natureza, foi internacional por Portugal nos escalões de formação, chegou ao Benfica... De facto, situações como esta fazem repensar de como somos tão frágeis. O único conselho que posso dar aos mais novos, e tenho um irmão na formação do Sporting, é tentarem salvaguardar o futuro estudando. Se não for possível serem profissionais de futebol que consigam aprender algo para não serem dependentes do próprio futebol. Estou convicto que pouco a pouco o Fábio vai ultrapassar a mágoa e dar a volta por cima.
Como tem visto a atuação do SJPF na defesa dos jogadores?
Muito mais ativa. Recordo-me que quando iniciei a minha carreira de futebolista profissional o Sindicato não era tão ativo. O próprio jogador não defendia tanto os seus interesses. O atual presidente do Sindicato tem sido importante nessa mudança de mentalidades. Tem sido uma voz muito mais ativa, o que obriga a discutir os problemas e as soluções. Infelizmente algumas posições causam polémica. Por vezes, deveria ter uma abordagem mais suave. Mas é como digo, tem sido importante para os jogadores, salvaguardando os seus interesses. Além disso, o Sindicato tem implementado ações como o Estágio para jogadores desempregados, uma iniciativa louvável e que tem registado bons resultados. Fico contente porque nos países em que já joguei reparei que os sindicatos dos jogadores são uma parte importante do futebol profissional. Tem de ser assim. Espero que o SJPF continue a crescer e que seja cada vez mais uma parte importante do futebol em Portugal.

Já disputou quatro fases finais (Euro 2004, Mundial 2006, Euro 2008, Euro 2012). Qual a mais marcante?
Recordo especialmente a de 2004. Não só para mim como para todos os portugueses, o Euro 2004 foi algo inesquecível. Foi um mês de festa. Todos desfrutámos imenso com a competição. Só foi pena não termos ganho a final.
E dentro da história do Euro 2004, o Postiga fez história com o seu penalti à Panenka, no jogo contra a Inglaterra.
São coisas que ficarão para a memória. É uma competição que jamais irei esquecer.
A forma como marcou esse penalti foi uma loucura consciente?
Foi normal, foi uma daquelas irresponsabilidades da idade. Hoje em dia, mais responsável e olhando o futebol, se calhar, de uma forma diferente não tomaria algumas das decisões que tomei mais novo. O penalti foi uma atitude de irresponsabilidade mas que no final correu bem.
Trabalhou com Luiz Felipe Scolari e Paulo Bento como selecionadores nacionais. Como caracterizaria cada um deles?
Acima de tudo são pessoas amigas. Além de serem bons treinadores são excelentes pessoas. O Scolari muito mais extrovertido e o Paulo mais recatado. Ambos foram importantes no meu crescimento na Seleção Nacional.
Não foi aposta de Carlos Queiroz para o Mundial de 2010. Ficou surpreendido com essa opção?
São as opções de cada selecionador. Cada um vê o futebol e o que a sua equipa necessita e, se calhar, eu não fazia parte do que era necessário ao seu grupo de trabalho. São opções que respeito. Resta trabalhar e mudar a imagem do selecionador. Não consegui e passou.
Convive bem com as críticas aos avançados da Seleção Nacional?
É um estigma. Já existe há muitos anos. Resta trabalhar, dar o máximo que as coisas acabam por sair naturalmente e tentando acalmar as críticas.
Admite um dia renunciar à Seleção Nacional (a exemplo de ex-colegas seus) ou nunca terá essa atitude?
Não faz parte da minha maneira de ser renunciar ao nosso país. Sou um patriota por natureza, adoro Portugal e muito dificilmente renunciaria à Seleção Nacional.
Estando em Espanha, faz sentido a “guerra” Ronaldo/Messi nos meios de comunicação espanhóis?
Não é bem “guerra”. São opiniões do que é Madrid e Barcelona em Espanha. Ronaldo e Messi são os jogadores mais importantes das respetivas equipas, são sobre quem recaem as atenções e as responsabilidades. Ambos têm demonstrado, ano após ano, a sua qualidade e valor.
Quem é para si o melhor jogador do Mundo?
O Cristiano, a 100 por cento, é um jogador fantástico, com registos incríveis tanto na Seleção como nos clubes.
Teve algum ídolo no futebol?
Sim, o holandês Marco van Basten.
Qual o seu clube do coração?
O Varzim.
O seu irmão José joga nos juniores do Sporting. Espera que siga os seus passos?
Espero que tenha sucesso. Que trabalhe, que seja responsável para chegar o mais longe possível. É normal que nestas idades, quando se está num clube como o Sporting, FC Porto ou Benfica, às vezes pensem que a vida de profissional ou chegar a profissional é fácil. Por vezes, em Portugal, na transição da formação – que tem muita qualidade – para os seniores encontra-se alguma dificuldade. Por isso digo sempre ao José para trabalhar, para estar bem preparado para quando for altura de dar o salto. Ele é bom ouvinte e entende a importância dos conselhos.
Um dos seus hobbies é a pesca. Continua a pescar?
Adoro a pesca, cresci numa terra de pescadores. Todos os verões pesco com o meu pai.
Tem 31 anos. Já pensa no final de carreira ou ainda é muito cedo?
Cedo não é... por vezes penso sobre o que fazer quando deixar de jogar. São muitos anos ligados ao futebol. Às vezes falo com colegas que já deixaram de jogar e dizem-me que os primeiros tempos são difíceis, a adaptação a uma vida chamada normal... mas ainda faltam alguns anos e espero ter uma transição suave quando deixar de jogar.
Deseja terminar a carreira em Portugal ou é algo que não é muito importante?
Não é determinante. Gostava de terminar de uma forma que não exigisse tanta pressão como é jogar numa liga importante como a espanhola mas só o futuro o dirá. Para já importa desfrutar ao máximo os anos que faltam para, quando deixar de jogar, ter orgulho naquilo que alcancei.
Pondera seguir a carreira de treinador? Ou de qualquer outro cargo ligado ao futebol?
Adoro futebol mas é difícil prever o que vai acontecer. Ainda é muito cedo para pensar nisso.
Bilhete de Identidade:
Nome: Hélder Postiga
D.n.: 02.08.1982
Naturalidade: Vila do Conde
Posição: Avançado
Clubes: FC Porto, Tottenham, St. Étienne, Panathinaikos, Sporting, Saragoça e Valência
Internacional por Portugal