"Falta assinar um acordo coletivo de trabalho"


Leia o discurso do presidente do Sindicato dos Jogadores na Gala das Campeãs.

O jornal Record organizou esta segunda-feira, 27 de novembro, a primeira edição da Gala das Campeãs, que premiou e reconheceu o mérito das jogadoras de futebol e futsal em 2023 e à qual o Sindicato dos Jogadores se associou.

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, esteve na cerimónia, que se realizou no Casino Estoril, e discursou aos presentes. Leia a mensagem na íntegra:

“Quando em 2012 convidei a Carla Couto e a Edite Fernandes, à data as grandes referências do futebol feminino em Portugal para colaborar com o Sindicato, e criar um departamento de futebol feminino, estávamos a antecipar o inevitável, a profissionalização de cada vez mais jogadoras e  a necessidade de criar condições de trabalho para o desenvolvimento da modalidade.

Relembro que nessa altura o futebol feminino sobrevivia devido à carolice de alguns dirigentes benévolos e, sobretudo, ao apoio inestimável que pais e familiares davam às jogadoras para continuar, na difícil compatibilização entre a vida pessoal, profissional, académica e desportiva.

De lá para cá muito mudou, e esta Gala das Campeãs só é possível graças a essa mudança, embora todos devam ter consciência que existe muito por fazer. Um muito obrigado ao Record e ao grupo Cofina por esta iniciativa, inédita no futebol português.

Mas afinal o que mudou, e o que falta fazer?

Mudou em primeiro lugar a sociedade, que quase unanimemente exige o fim do preconceito contra as mulheres, não só no futebol, mas em todas as atividades e setores da vida social. Essa emancipação deve ser refletida em toda a pirâmide do desporto nacional, traduzida na representatividade e no empoderamento das mulheres. Estas são as chaves para o progresso. 

Mudou a visão e intervenção da FIFA e da UEFA, bem como a nível nacional da Federação Portuguesa de Futebol, que apostaram no desenvolvimento da modalidade e deram-lhe as condições necessárias para crescer.

Mudou em especial a atitude das jogadoras, que exigem respeito, que trabalham arduamente e acreditam que o seu sonho, qualquer que seja, possa ser alcançado.

Foram as jogadoras as verdadeiras protagonistas, com a sua vontade e capacidade de superação que projetaram os nossos clubes e seleções no plano nacional e internacional, e consequentemente responsáveis pelos resultados desportivos. 

No entanto, falta concretizar essa vontade, não podemos ficar pelas palavras.

Com exceção do apoio estrutural da Federação Portuguesa de Futebol e do investimento feito por alguns clubes, o futebol feminino carece de uma aposta efetiva, espaço e desenvolvimento no nosso mapa desportivo. O futebol feminino não pode ser apenas uma bandeira política, tem de ser uma realidade concretizada no terreno.

E o que falta?

Falta criar melhores condições para que as jovens possam equacionar o futebol como uma opção profissional.

Tal como aos demais jovens que iniciam a sua carreira profissional, garantir condições de trabalho que perspetivem estabilidade para arrendar ou comprar casa ou carro, pagar as contas no fim do mês e garantir a poupança. Mais importante se torna essa estabilidade quando estamos a falar de uma carreira de desgaste rápido e curta duração.

Falta tornar a Liga BPI profissional, com a adesão e investimento dos clubes que realmente têm a capacidade para o fazer, aumentando a qualidade desta competição que ainda reflete em grande medida uma realidade amadora.

Para isso é necessário oferecer, no mínimo, um contrato de trabalho a cada jogadora. É da mais elementar justiça, é desta forma que se assegura o futuro da modalidade.

Falta assinar um acordo coletivo de trabalho, seguindo as melhores práticas internacionais. O documento, com condições mínimas, pretende estabelecer os direitos e deveres entre jogadoras e clubes, tornando esta atividade regulada e transparente.

Por respeito às jogadoras, que hoje estamos a homenagear, apelo a todos os clubes para que possamos assinar este documento, já validado pela Federação, para que de forma gradual possamos equiparar-nos aos demais países europeus nesta matéria, alguns deles que nos últimos anos passaram de uma realidade muito inferior à portuguesa para se posicionar como referências nas condições de trabalho no futebol feminino.

Desejamos que a celebração deste acordo ocorra ainda no mandato do Dr. Fernando Gomes. Se tal não for possível, desafio os candidatos ao próximo ato eleitoral a assumir este documento como uma medida prioritária no caminho da igualdade e equiparação de direitos.

Mas falta ainda mais. Falta garantir um lugar seguro para as nossas filhas, que os balneários sejam espaços de promoção do desporto e dos seus valores e não lugares de abusos e de medo. Essa é a missão que enquanto sociedade teremos de assumir, combatendo o medo, o abuso de poder e a desinformação.

Finalmente, falta solidariedade, que aqueles que têm mais e vivem melhor não sejam indiferentes a quem tem menos.

Que não nos esqueçamos de onde viemos e, com a nossa atitude, com o nosso ativismo, consigamos ser uma sociedade melhor, mas inclusa e igual.

Em conclusão, o balanço é positivo, mas pode ser extraordinário, para o desporto e para o país, se soubermos estar à altura desta mudança.

Muito obrigado, muito obrigado às jogadoras pelo que nos deram nos últimos anos.”

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