Opinião: “Futebol e imigração”
Presidente do Sindicato dos Jogadores assinala o Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos.
No artigo de opinião desta semana, publicado no jornal Record, o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, alerta para o fenómeno do tráfico de seres humanos no futebol:
"É extremamente complexo estabelecer um diálogo racional sobre imigração quando na tentativa de regular com dignidade a entrada e permanência de estrangeiros em Portugal vemos, até os mais moderados, a cair no discurso de ódio, desinformação e populismo.
Quase tudo parece mais importante do que resolver o caos em que está mergulhada a AIMA e as filas de espera dos imigrantes que pernoitam à porta dos espaços desta organização, no desespero para ver apreciados os seus processos. O desporto profissional é o expoente máximo da mobilidade laboral e da necessidade de circulação entre fronteiras, tendo Portugal uma posição estratégica na internacionalização dos nossos atletas e no aproveitamento de talento vindo de fora.
Muitos dos craques de hoje são filhos de alguém que teve a oportunidade de aqui chegar, uma segunda geração que, seja por nascimento ou porque aqui cresceu, integra os números dos formados localmente que sustentam a nossa indústria. Sabendo que não temos a mesma capacidade de investimento que os países com os quais competimos, devíamos respeitar mais os jovens que aqui querem seguir os seus sonhos.
Se em muitas alturas critiquei o recrutamento massivo de jogadores estrangeiros para clubes de divisões inferiores com o objetivo do negócio obscuro e da exploração, abrindo a porta aos fenómenos de imigração ilegal e exploração, não posso ser indiferente aos jogadores e jogadoras que não podem viajar, ver a família, ou responder a uma chamada da Seleção com medo de não voltar a conseguir entrar no país. Tudo porque os tempos do sistema administrativo criado, a falta de meios e, sinceramente, uma indiferença generalizada para o problema, não se compadecem com os tempos e prazos do sistema desportivo. O que hoje é uma oportunidade de trabalho já se esfumou na janela de inscrições seguinte.
Que bom era podermos resolver os problemas dos que cá estão e sermos, ao mesmo tempo, um país que consegue acolher. Com as restrições existentes e com tanta gente a cair nas malhas da ilegalidade, é natural que fenómenos como o tráfico de seres humanos tenham margem para crescer. Assinalando o Dia Europeu do Combate a este fenómeno hediondo, recordo os muitos atletas que o Sindicato conseguiu ajudar e todos aqueles que, ainda no anonimato, continuam a precisar de ajuda.
Felizmente, existe uma rede nacional e equipas multidisciplinares preparadas para responder. O combate ao tráfico começa por erradicar a indiferença, garantindo que a nível local, autarquias, clubes e agentes desportivos estão preparados para identificar os sinais de alarme e agir. Futebol e imigração são parte da mesma história, saibamos honrá-la."



