O desporto (o futebol) não é violência


O sociólogo brasileiro Maurício Murad, no livro A violência e o futebol (editora FGV, Rio de Janeiro, 2007, pp. 39 ss.) relembra algumas das experiências bem-sucedidas de uma prática desportiva que se trans­forma em generosa pedagogia social: o basquetebol da meia-noite, nos EUA, com equipas de “menores abandonados”; a Vila Olímpica da Man­gueira, no Rio de Janeiro, que vem libertando do vício e do crime um número incontável de jovens expostos à marginalidade; o Deporte para los Desplazados, na Colômbia, situado na área central do narcotráfico, em Medellin; o futebol feminino no Irão, um espaço onde as mulheres se despem orgulhosamente de coberturas negras que as escondem, desde o rosto até aos pés, e assim denunciam hábitos e dogmas, que as mantêm como seres agónicos e humildes; o futebol de integração em Cabul, onde também as mulheres ousam enfrentar os estigmas de uma cultura milenar, que as subvaloriza, que as escraviza, que as quer acocoradas aos pés do marido, do pai ou do irmão; os clubes de “torcidas organizadas”, no Japão, “com um total de 67% dos seus in­tegrantes, composto por crianças e por mulheres”, libertando assim os jogos de um ambiente nervoso, irascível, impulsivo; as “peladas” dos fins de tarde, no deserto do Egito, em Gizé, um autêntico lazer desporti­vo, que as mulheres acompanham e promovem, entre árabes escuros, já velhos, de grenhas lanudas e riçadas, onde não se descortina uma expressão de simpatia ou de grima; o futebol ecuménico no Líbano, com disputas ardorosas entre equipas das três grandes religiões mo­noteistas e em que um altíssimo grau de religiosidade se casa com uma sublime tolerância. Maurício Murad, com um invulgar conjunto de qualidades exigíveis a um sociólogo, refere-se ainda a outros países ou cidades, onde o desporto, mormente o futebol, ensaia um humanismo em plenitude, e por isso com um futebol que pode ter violência, mas não é violento.

Não deverá esquecer-se também o papel da UEFA e da FIFA, nas lutas contra o racismo e em prol do “fair play”, incluindo o financeiro.

Para mim, o futebol pode ter violência, mas não é violento. A recusa de uma Filosofia do Desporto, em certos setores ligados ao estudo do Desporto, incluindo as universidades, confunde-se com a recusa de modelos metafísicos e a normatividade que deles emana.

Além disto, alguns órgãos da Comunicação Social hipervalorizam o exibicionismo doentio e o donjuanismo estéril de alguns jogadores (o Balotelli é um exemplo), a ostentação faraónica de riqueza, a especialização precoce de jovens e crianças, fomentada quase sempre por empresários sem escrúpulos.

Enfim, tudo o que venho de escrever faz do futebol um mundo polícromo, mas pungente, numa avassaladora sensação de ausência de certos valores. Ora, foi com estes valores, muitas vezes desprezados, que o futebol nasceu; é com estes valores que os super­dotados podem ser campeões.

O campeão do futuro começa por ser Homem, para poder ser campeão. Já o tenho dito e repito: antes de cada um dos treinos, o técnico principal deve levantar, de si para si, esta questão: qual é o tipo de Homem que eu quero que nasça deste treino?... Porque é com Homens que o Futebol pode ser Futuro. O Fu­tebol e tudo o mais.

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