Homo Sapiens e Demens
“Os problemas de resolução mais difícil, que nos surgem no treino desportivo, não são físicos – são humanos!”
A cultura ocidental, à luz do Iluminismo, não cessa de exaltar o homo sapiens, ou seja, o homem enquanto ser de grande saber e racionalidade. Chega mesmo ao ponto de chamá-lo sapiens-sapiens, sábio-sábio.
O cristianismo proclama-o, “urbi et orbi”, filho de Deus, irmão de Jesus Cristo. E assim, porque se sabe a primeira das criaturas, nasce, nele, como erva daninha, uma imparável vontade de domínio, ignorando e desprezando a autonomia dos demais seres vivos, incluindo povos e nações.
Por seu turno, a filosofia foi construindo, paulatinamente, as bases racionais deste domínio. Descarte (1596-1650) tentou ensinar que o ser humano deve ser “o mestre e o dono da natureza”. Francis Bacon (1561-1626), o introdutor do método científico, criou a expressão “saber é poder”, dando à palavra “poder” o significado de domínio absoluto sobre a Natureza e até sobre a mulher, dado que à mulher a identificaram com a Natureza. A ciência orgulha-se de cultores de génio, como Galileu (1564-1642), Copérnico (1473-1543) e Newton (1643-1727). Só que as características da ciência, onde estes três sábios tiveram presença inesquecível, era (como se sabe) materialista e mecânica, reducionista e dualista, linear e determinista. E eis aí o ser humano “quebrando os laços de coexistência com os demais seres (…), esquecendo a teia de interdependências de todos os seres, de sua comunhão com os vivos e da solidariedade entre todos” (Leonardo Boff, O Despertar da Águia, Vozes, Petrópolis. 2009, p. 17).
No entanto, ferve e referve, grita e palpita o apelo de todos os explorados e marginalizados, e até de todos os homens de boa vontade, por um mundo diferente, pela emergência de uma civilização assente na coopetição e não na competição – coopetição, quero eu dizer: competição com cooperação, uma competição solidária e não uma competição hostil.
A construção de um mundo novo, no terceiro milénio, há-de resultar de um progressivo desenvolvimento da democracia integral e portanto na economia, na ciência, na arte, na cultura, no desporto, etc. E há-de ainda resultar de um conceito de Povo que assim resumo: todos os cidadãos são chamados a ser Povo, a rejeitar as relações senhor-servo e a criar uma economia social de mercado onde se estabeleçam relações de coopetição e não de competição tão-só.
O desporto, por exemplo, enquanto lazer, saúde, educação ou espetáculo, deve ser concretizado tendo em conta a eminente dignidade do ser humano e portanto de todos os praticantes. Os Governos, os Comités Olímpicos, as Autarquias, o Movimento Associativo, atuando de maneira concertada, hão-de assumir políticas de promoção e desenvolvimento do Desporto donde possa antecipar-se o Homo Sapiens e não tanto o Homo Demens.
Há, dentro de cada um de nós, o Homo Sapiens e o Homo Demens, que o mesmo é dizer: ora nos revelamos como pessoas de sabedoria admirável, ora manifestamos uma insensatez inesperada. Que o Desporto se converta num espaço onde se aprende a passar da insensatez à sabedoria...
Como? É tão fácil: basta que o Desporto não seja unicamente uma Atividade Física! Os problemas de resolução mais difícil, que nos surgem no treino desportivo, não são físicos – são humanos!