Um Mundial sem surpresas
Aquilo a que se assiste por estes dias nos EUA é o reflexo de uma competição desenhada sem qualquer preocupação com o impacto num ecossistema já profundamente desequilibrado. É evidente a sobrecarga competitiva em que, por exemplo, as equipas europeias irão entrar sem um verdadeiro 'season break', após a participação nesta competição.
O Mundial de Clubes falhou na proteção da saúde e bem-estar dos jogadores. Se já era difícil garantir a igualdade competitiva com as equipas a chegarem a esta prova em momentos muito diferentes das suas épocas e com níveis de desgaste físico e mental incomparáveis, eis que o calor extremo adiciona um nível de risco inaceitável. As imagens dos jogos disputados em Orlando ou Miami são extremamente preocupantes e apesar do recurso à 'cooling break' ou o atraso na retoma das partidas, como sucedeu com o Benfica na sexta-feira, é óbvio que várias equipas já foram submetidas a níveis de calor ambiental (WBGT) acima do nível que recomenda o adiamento do jogo.
O calendário desta prova não permite que se tomem decisões que privilegiem a segurança dos jogadores e quando comparamos, por exemplo, com a preparação do protocolo para o último Campeonato do Mundo no Qatar, é manifesto que o tema das condições climatéricas e as medidas de segurança a implementar não foi suficientemente trabalhado com o envolvimento dos parceiros sociais.
Estou certo de que muitos jogadores não só queriam, como precisavam estar em repouso antes de iniciar os trabalhos para aguentar o desgaste da próxima época desportiva. Acredito, igualmente, que as receitas que resultarão desta prova para as equipas participantes e os mecanismos de redistribuição das mesmas são, ainda, uma verdadeira incógnita. Muito menos saberão os jogadores, como por exemplo foi garantido nas provas femininas da FIFA, e mais recentemente da UEFA, que percentagem do prémio de participação no torneio lhes é garantida
Um Mundial que vendeu a ilusão de que haveria espaço para impor no calendário internacional uma nova prova de clubes, potenciando o investimento e redistribuição de receitas, mas contrasta com a imagem de bancadas vazias à espera que os jogos decisivos apareçam. Depois de tudo isto, como poderia a FIFPRO, que alerta há anos para a necessidade de rever os quadros competitivos e reduzir o excesso de carga, apoiar um projeto desportivo que colocou os interesses dos protagonistas para segundo plano? E já que estamos na América, 'can money really buy anything' ?
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (22 de junho de 2025)