Gaza: tema civilizacional
O que está a acontecer em Gaza ficou mais perto do futebol com as notícias da morte de Suleiman Al-Obeid, o 'Pelé' da Palestina, e as mensagens de apelo ao fim das grosseiras violações dos direitos humanos, transmitidas na abertura da Supertaça Europeia, que embora não tenham tido um destinatário concreto, encaixam exatamente no flagelo que se continua a viver, todos os dias, naquele lugar.
Este tema faz-me recuar alguns anos e recordar quando na FIFPRO os colegas israelitas davam as boas-vindas aos homólogos palestinianos, como membro observador da organização. As diferenças de perspetiva pareciam insignificantes perante os sonhos para o desenvolvimento do futebol entre as duas nações. Que feridas poderia o desporto ter conseguido sarar? Estamos cada vez mais longe de descobrir.
O massacre que tem ceifado vidas na faixa de Gaza não pode continuar a ser politizado. Tenho grandes amigos em Israel, país que visitei por várias vezes e onde sempre fui acolhido de forma extraordinária. Também, por isso, sei que entre a força de vontade e o natural instinto de sobrevivência que a esmagadora maioria do povo israelita apresenta, perante uma constante ameaça existencial, aquilo que a atual liderança política e militar do país está a fazer em Gaza apenas traduz um mesquinho instinto de perpetuação do poder, num clima de guerra total e bloqueios à ajuda humanitária.
O resultado entra diariamente nas nossas casas pelos jornais e noticiários, seres humanos encurralados, à espera da morte que se não chegar de forma repentina, chega lenta e penosamente pela falta de comida ou assistência médica. O sentimento de impotência é avassalador. Se perante a terrível invasão da Ucrânia pela Rússia foi impossível não condenar as atrocidades cometidas ou se face à barbárie cometida pelo jihadismo islâmico em Israel o mundo se uniu em solidariedade, é preciso que todos os que têm voz no espaço público digam algo em defesa daquelas pessoas, muitas delas crianças com a idade dos nossos filhos e netos, que não podem fugir de uma das maiores barbáries da história recente.
Os apelos do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, têm sido ignorados e o papel desta organização que serviu como garante de uma nova paz mundial, no pós II Guerra Mundial, perigosamente posto em causa. Se não trabalharmos o nosso ativismo social, nem fomentarmos a proteção dos direitos humanos, caminharemos para a legitimação de todos os atos que corrompem e destroem os valores basilares em que assenta a nossa própria convivência. Hoje, não falando diretamente de futebol, o tema tem tudo a ver com o seu futuro.
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (17 de agosto de 2025)