Para uma crítica desportiva
No livro “Ao Encontro da Palavra” (Livraria Morais, 1960) Manuel Antunes sustentava que, no seu trabalho crítico, procurava conjugar dois métodos: “o fenomenológico e o dialético”. Faço minhas as palavras do insigne pensador. Também eu, dentro dos meus parcos limites, procuro desenvolver a minha atividade crítica, tornando visível que a crítica desportiva deveria inspirar-se não só nos valores tipicamente desportivos, mas também naqueles que lhe são exteriores e afinal são os fundamentais.
Ou seja, a minha crítica do desporto não se realiza na perspetiva exclusivamente desportiva, não é um produto tão-só do fenómeno desportivo, mas do sistema que ele é e donde nasce. Uma crítica desportiva que se pretende rigorosa, ou tem em conta o todo de que o desporto é elemento, ou deixou de ser fiável. É a dialética entre o todo e as partes, entre a génese e a estrutura, entre o texto e o contexto, que nos permite uma visão global, e não apenas setorial, do desporto.
Do que vem de escrever-se é lícito concluir que pensar o desporto é pensar bem mais do que o desporto. E assim elaborar uma crítica a um jogo de futebol é bem mais do que andar à cata dos erros dos árbitros. Para encontrar as “causas das causas” do resultado de uma competição desportiva, torna-se imperioso salientar que a competição (gosto mais do termo coopetição, como síntese de competição e cooperação) há-de converter-se num encontro entre homens e é a sua humanidade o radical fundante das vitórias ou das derrotas.
Com alguma ousadia, tenho aconselhado alguns treinadores a levantarem, dentro de si mesmos, antes dos treinos, esta questão: “Que homem quero eu que nasça, nos meus jogadores, nos exercícios que vou orientar?”. Homem, primeiro que tudo, homem a quem nada do que é humano parece estranho; homem sempre em busca de uma vida qualitativamente superior e que toma o desporto como pretexto para vivê-la em plenitude – eis aí o campeão (atleta ou treinador) do Futuro e com Futuro. E campeão nas vitórias e nas derrotas, porque em todas as situações se vence, mesmo que se não vença nos estádios.