Quem sabe mais de futebol?


No desporto de alta competição, que é (ou deve ser) só um simula­cro de guerra, sabe mais quem ganha mais. Por que é que os anos passam e a fama de Napoleão não esmorece? Porque era um ven­cedor imparável e, em plena guerra, ainda semeava bebedeiras de esperança nos seus militares, ou seja, era um líder também.

No entender de Thomas Kuhn, são as comunidades científicas a fonte da autoridade em ciência. Uma pergunta, a propósito: tem o des­porto a sua comunidade científica? Os mais galardoados treinado­res e jogadores são-no por um qualquer princípio de demarcação, ao jeito de Karl Popper? A FIFA e a UEFA distinguem os jogadores e os treinadores por razões de ordem científica? Nenhuma teo­ria científica pode considerar-se como absolutamente verdadeira no desporto, a cientificidade prova-se em plena competição. Só a uma informação eficaz deverá chamar-se conhecimento.

Mesmo a pessoas com a minha formação (que é eminentemente teórica), se não fazem sério trabalho interdisciplinar com os “agentes do desporto” (treinadores, árbitros, jogadores, dirigentes, técnicos de saúde), terão, mais tarde, que fazer a dura penitência de confessar que pouco sabem de futebol. Jorge Araújo, Jorge Castelo, Silveira Ramos, José Neto, Júlio Garganta, Luís Freitas Lobo, Luís Louren­ço e outros, assim como alguns jornalistas, porque praticam ou procuram harmonizar a teoria com a prática – criam a comunida­de convivencial que os aproxima de um verdadeiro conhecimento. Quem não aprende com a prática não sabe teorizar.

Boaventura de Sousa Santos salienta no seu livro Introdução a uma ciência pós-moderna, que “a maior vantagem da reflexividade e o seu contributo mais positivo para o desenvolvimento da ciência é o de ter tornado claro que os cientistas são seres humanos” (p. 87).

E, por isso, neles, a cultura deve ser uma aliança da teoria com a vida. Verdadeiramente, só se sabe aquilo que se vive. O meu ami­go (e antigo aluno) dr. João Aroso, adjunto de Paulo Bento, quan­do me encontra, repete-me, a sorrir, o que lhe procurava ensinar nas aulas: “Quem só teoriza, não sabe; quem só pratica, repete”.

Também no futebol, como ciência, teoria e prática são elementos do mesmo todo. Mas que não se labore no erro de considerar a ciência um saber integral. É coisa que não existe, para qualquer um de nós – os que gememos e choramos neste vale de lágri­mas! Demais, no futebol, sente-se a necessidade de ter em conta uma ciência não determinista, ou seja, contemporânea da mecâ­nica quântica, dos sistemas não lineares de auto-organização da matéria e do caos.

Quando começa um jogo de futebol, qual é a ciência que desponta? No futebol, há mais causalidade (de causa), ou caosalidade (de caos)? Por isso, o treinador deve preparar a equipa para o esperado e para o inesperado também.

Mais Opiniões.