O Treinador: Entre a Ciência, a Tecnologia e a Inovação
O futebol, à semelhança de qualquer outra atividade humana, sustenta-se numa determinada tecnologia que tem de ser gerida de acordo com:
- A velocidade de mudança do ambiente;
- O padrão de complexidade da situação em causa;
- A similitude dos elementos que estiverem em presença.
Nesta perspetiva, a gestão da competição, no jogo ou no treino, época a época, semana a semana, dia a dia, hora a hora, realizada por um qualquer treinador, só pode ter sucesso se conseguida na emergência de uma grande abertura ao exterior na procura dos pequenos sinais que decorrem daquilo que:
- Está a mudar porque mais importante do que conhecer aquilo que existe é compreender aquilo que está a mudar;
- Não é percetível à primeira vista porque a realidade do jogo não se revela, por assim dizer, a qualquer leigo;
- São os elementos significantes que, a serem identificados e trabalhados, podem mudar em benefício do treinador e da sua equipa as condições em que o jogo vai ser ou está a ser jogado.
A vitória, em grande medida, acontece pela capacidade do treinador se aperceber de um ou vários (não muitos) pormenores que podem favorecer a vitória. Quer dizer, pormenores significantes que, se mudarem no sentido certo, determinam as condições de sucesso em que o jogo está a ser jogado.
Assim sendo, o êxito de um treinador, numa época ou num determinado jogo, pode depender muito mais das decisões que toma no que diz respeito à equipa adversária que não conhece na plenitude, do que relativamente às decisões que toma quanto à sua equipa que deve conhecer no mais ínfimo pormenor.
Porque um treinador, tal como um general no campo de batalha, não é senhor dos seus atos na medida em que não pode garantir a relação causa efeito que determina a cientificidade de uma operação que se repete. A ação do treinador depende da ação do adversário e vice-versa. Nestas circunstâncias, perante a permanente ameaça da surpresa, a experiência prática para pouco serve porque a surpresa significa o inesperado. Como diria Ortega y Gasset (1883-1955), o que distingue um treinador de sucesso é a sua capacidade para produzir resultados a partir do momento em que o empirismo do método científico deixou de funcionar. Então, o que passa a valer é a criatividade do artista que deve ser o treinador ao conduzir a competição durante o jogo. Nestas condições, o treinador deixa de ser um especialista de configurações táticas que com maior ou menor dificuldade evoluem no terreno, para passar a assumir, na plenitude, a complexidade do pensamento estratégico que lhe permite pensar o jogo na sua globalidade e, deste modo, ganhar verdadeiramente o estatuto de treinador de futebol. Onde está a globalidade do jogo são contas de outro rosário.
Por isso, aqueles que dizem que “no futebol já está tudo inventado” estão profundamente enganados. Seria horrível se no futebol tudo fosse assim tão fácil. O futebol é simples, provavelmente é o jogo mais simples do mundo, contudo, não quer dizer que seja fácil. No futebol não se pode facilitar.
Quando no futebol se quer facilitar tende-se a confundir tecnologia, ciência e inovação. Muito embora estes três conceitos estabeleçam íntimas relações entre si, de uma maneira expedita podemos dizer que:
- A tecnologia diz como se faz;
- A ciência explica porque é que se faz assim;
- A inovação atribuiu um sentido de futuro.
Se integradas, são da máxima importância. Todavia, por si só, existe muita tecnologia sem qualquer fundamentação; muita ciência que não tem à vista qualquer aplicação de ordem prática; e muita inovação que não conduz a lado nenhum. Todavia, não é por isso que vamos dizer que a técnica fundamentada exclusivamente na experiência não tem valor; como também não podemos afirmar que a ciência sem aplicação prática imediata não serve para nada; e que a inovação, só por si, é geradora de confusão.
Neste sentido, qualquer treinador de futebol deve ter em consideração que:
- A tecnologia repete…e cria as necessárias rotinas…
- A ciência explica… e conduz ao envolvimento dos atletas…
- A criatividade inova…e atribui ao processo de treino um sentido de futuro…
Ora, quando o treinador consegue integrar a tecnologia que repete, a ciência que explica e a criatividade que inova está em condições de produzir conhecimento capaz de desencadear um salto qualitativo com efeitos imediatos na organização da vitória.
É a arte do treinador: a teoria, só por si, não chega para vencer. A prática, só por si, não garante o sucesso. A inovação só por si não determina a vitória.